quinta-feira, maio 07, 2015

Jorge Xavier, hoje Secretário de Estado da Cultura.
A maravilhosa

história


do Quim















Quim andava toda a semana na rua com um horário que começava com o nascer do sol e caía com o dia.

Quim era um pobre diabo que tinha um atestado médico que certificava que ele era mesmo um pobre diabo. Andava com um saco de plástico na mão direita e com o atestado na esquerda.

É que Quim queria ir para um manicómio em Lisboa mas não tinha dinheiro para a passagem. Por isso andava nas suas calças e casaco de ano e meio no meio daquele mês de Maio à beira dos acontecimentos, à saída dos cafés, das igrejas, das fábricas a reunir a “massa”.

Naquele dia, Quim estava à porta do café exibindo o atestado em que atestavam que ele era um pobre diabo. A gente passava aos magotes. Eram mulheres de preto,, os jovens coloridos, as senhoras de peles, os velhos decrépitos, as mamãs recentes, os rapazes de gravata.

Quim mostrava o atestado deambulando pela multidão, murmurando, de vez em quando, algumas parcas palavras. As pessoas olhavam para ele e depois de um exame breve achavam a cena ridícula.

Atestado numa mão, saco de plástico na outra, isso era pobre que se apresentasse? E se apressavam a continuar a conversa.

O sol estava bonito. Era uma fria manhã de Novembro. Nas frias pedras do passeio os pés dos transeuntes batiam com força para afastar o frio. Quando Quim se aproximava os pés batiam com muito mais força.

Os olhos gastos do Quim já não choravam. Queria ir para um manicómio em Lisboa e não o deixavam ir.

Sem dinheiro, sem nada, Quim meteu-se a caminho da estação. O comboio demorou a chegar. Quim não quis deixar escapar a oportunidade. Saltou para o meio da linha e apresentou o atestado na mão esquerda e o saco de plástico na direita.

O comboio não quis saber. Com tinir de aço afastou Quim do caminho de Lisboa.


Jorge Xavier  (17 anos, escrito em 1983 – Hoje é Secretário de Estado da Cultura)

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