Quim andava toda a semana na rua com um horário que começava com o nascer do sol e caía com o dia.
Quim era um pobre diabo que tinha um atestado médico
que certificava que ele era mesmo um pobre diabo. Andava com um saco de plástico
na mão direita e com o atestado na esquerda.
É que Quim queria ir para um manicómio em Lisboa mas não
tinha dinheiro para a passagem. Por isso andava nas suas calças e casaco de ano
e meio no meio daquele mês de Maio à beira dos acontecimentos, à saída dos cafés,
das igrejas, das fábricas a reunir a “massa”.
Naquele dia, Quim estava à porta do café exibindo o
atestado em que atestavam que ele era um pobre diabo. A gente passava aos
magotes. Eram mulheres de preto,, os jovens coloridos, as senhoras de peles, os
velhos decrépitos, as mamãs recentes, os rapazes de gravata.
Quim mostrava o atestado deambulando pela multidão,
murmurando, de vez em quando, algumas parcas palavras. As pessoas olhavam para
ele e depois de um exame breve achavam a cena ridícula.
Atestado numa mão, saco de plástico na outra, isso era
pobre que se apresentasse? E se apressavam a continuar a conversa.
O sol estava bonito. Era uma fria manhã de Novembro. Nas
frias pedras do passeio os pés dos transeuntes batiam com força para afastar o
frio. Quando Quim se aproximava os pés batiam com muito mais força.
Os olhos gastos do Quim já não choravam. Queria ir
para um manicómio em Lisboa e não o deixavam ir.
Sem dinheiro, sem nada, Quim meteu-se a caminho da
estação. O comboio demorou a chegar. Quim não qui s
deixar escapar a oportunidade. Saltou para o meio da linha e apresentou o
atestado na mão esquerda e o saco de plástico na direita.
O comboio não qui s
saber. Com tinir de aço afastou Qui m
do caminho de Lisboa.
Jorge Xavier (17
anos, escrito em 1983 – Hoje é Secretário de Estado da Cultura)
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home