Havia de chegar lá, fosse como fosse... |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 275
Começou recuperando o caixeiro
Durvalino, pondo-o nos eixos: o varapau ameaçara perder a cabeça e fazer feio.
Ao avistar as roupas de seu Cícero Moura boiando nas águas,
Leva-e-Traz ficara pálido, dera para
tremer. Os olhos esbugalhados, apontando a camisa e o par de calças, começara a
vagir que nem criança nova, manifestara sintomas de chilique, como se não
bastassem as putas.
Urgia terminar com o mau exemplo antes
que outros o imitassem e fosse geral o faniqui to.
Fadul não perdeu tempo com discursos e conselhos, recorreu a remédio
comprovado: aplicou a mão no pé do ouvido de Já-Sabe?, um único bofetão:
- Se guenta, seu frouxo!
Foi tiro e queda, Durvalino aguentou as
pontas: se não recuperou a calma absoluta, ao menos engoliu o cagaço, começou
na mesma hora a trabalhar.
Cagaço, frouxidão, termos inadequados para
definir o estado de espírito do empregado do armazém: uma cisma, um
pressentimento ruim. Vez por outra estremecia, abria a boca como se qui sesse contar alguma coisa mas continha-se, guardava
para si sobrossos e cuidados.
Do jeito que o patrão estava, a ocasião
não era propícia para discutir-lhe as ordens.
A fim de recuperar o ânimo abalado e
impedir que o pânico se alastrasse, Fadul atribuiu - atribuiu não, impôs sem
deixar escapatória a cada um, de imediato, responsabilidades concretas a
enfrentar e a cumprir.
Quanto à população da outra margem, dela
se encarregaram Tição Abduim e Bastião da Rosa, parentes afins dos sergipanos
por laços de amigação.
13
Não tardou e a casa do Capitão se encheu
de gente, pela manhã estava abarrotada. Ali, até os mais desalentados
sentiam-se em segurança, garantidos contra tudo e contra todos, inclusive as incontroláveis
forças da natureza, estavam a salvo da raiva e do castigo de Deus.
Por
encontrar-se a casa situada no alto da colina e por
pertencer ao capitão Natário da Fonseca.
Para
lá transportaram os recém-nascidos e as paridas, além
de
uma rapariga de nome Alzira, queimando de febre, sem forças para andar,
carregada às costas por Balbino.
Na
sala repleta, Nadinho, o menino de Bernarda, ensaiava os primeiros passos mal equi librado nas pernas, os outros filhos do Capitão
corriam a ampará-lo, estouravam em riso.
Bernarda
descera para ajudar levando nos olhos a ameaçante visão daquela alegria
despreocupada.
Também
Diva, tendo entregue a cria aos cuidados de Zilda,
despencou
ladeira abaixo sob a chuva e o vento, atravessou o
descampado
com água pela cintura, queria saber dos parentes do outro lado do rio. Havia de
chegar lá, fosse como fosse.
Enfrentando
a enchente, desobedecendo ao combinado com Tição: fique com o menino, deixe que
do resto eu me ocupo.
Os
pequeninos na cama de casal, a doente na rede de Edu,
mulheres
chorando, homens calados, soturnos, naquela barafunda, Zilda pensou no que
poderia fazer para diminuir o medo e dar novo alento aos fracos e mofinos ali
refugiados.
Puxar
reza como queria dona Natalina não adiantava, a merencória litania só fazia
aumentar o acabrunhamento. Zilda andou para o gramofone, manejou a manivela,
ajustou o cilindro, a música fluiu, se estendeu e se elevou encobrindo a
ladainha, a enchente e o vendaval.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home