quinta-feira, junho 25, 2015

Havia de chegar lá, fosse como fosse...
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)




Episódio Nº 275
















Começou recuperando o caixeiro Durvalino, pondo-o nos eixos: o varapau ameaçara perder a cabeça e fazer feio. Ao avistar as roupas de seu Cícero Moura boiando nas águas,

Leva-e-Traz ficara pálido, dera para tremer. Os olhos esbugalhados, apontando a camisa e o par de calças, começara a vagir que nem criança nova, manifestara sintomas de chilique, como se não bastassem as putas.

Urgia terminar com o mau exemplo antes que outros o imitassem e fosse geral o faniquito. Fadul não perdeu tempo com discursos e conselhos, recorreu a remédio comprovado: aplicou a mão no pé do ouvido de Já-Sabe?, um único bofetão:

- Se guenta, seu frouxo!

Foi tiro e queda, Durvalino aguentou as pontas: se não recuperou a calma absoluta, ao menos engoliu o cagaço, começou na mesma hora a trabalhar.

Cagaço, frouxidão, termos inadequados para definir o estado de espírito do empregado do armazém: uma cisma, um pressentimento ruim. Vez por outra estremecia, abria a boca como se quisesse contar alguma coisa mas continha-se, guardava para si sobrossos e cuidados.

Do jeito que o patrão estava, a ocasião não era propícia para discutir-lhe as ordens.

A fim de recuperar o ânimo abalado e impedir que o pânico se alastrasse, Fadul atribuiu - atribuiu não, impôs sem deixar escapatória a cada um, de imediato, responsabilidades concretas a enfrentar e a cumprir.

Quanto à população da outra margem, dela se encarregaram Tição Abduim e Bastião da Rosa, parentes afins dos sergipanos por laços de amigação.

13

Não tardou e a casa do Capitão se encheu de gente, pela manhã estava abarrotada. Ali, até os mais desalentados sentiam-se em segurança, garantidos contra tudo e contra todos, inclusive as incontroláveis forças da natureza, estavam a salvo da raiva e do castigo de Deus.

Por encontrar-se a casa situada no alto da colina e por pertencer ao capitão Natário da Fonseca.

Para lá transportaram os recém-nascidos e as paridas, além
de uma rapariga de nome Alzira, queimando de febre, sem forças para andar, carregada às costas por Balbino.

Na sala repleta, Nadinho, o menino de Bernarda, ensaiava os primeiros passos mal equilibrado nas pernas, os outros filhos do Capitão corriam a ampará-lo, estouravam em riso.

Bernarda descera para ajudar levando nos olhos a ameaçante visão daquela alegria despreocupada.

Também Diva, tendo entregue a cria aos cuidados de Zilda,
despencou ladeira abaixo sob a chuva e o vento, atravessou o
descampado com água pela cintura, queria saber dos parentes do outro lado do rio. Havia de chegar lá, fosse como fosse.

Enfrentando a enchente, desobedecendo ao combinado com Tição: fique com o menino, deixe que do resto eu me ocupo.

Os pequeninos na cama de casal, a doente na rede de Edu,
mulheres chorando, homens calados, soturnos, naquela barafunda, Zilda pensou no que poderia fazer para diminuir o medo e dar novo alento aos fracos e mofinos ali refugiados.

Puxar reza como queria dona Natalina não adiantava, a merencória litania só fazia aumentar o acabrunhamento. Zilda andou para o gramofone, manejou a manivela, ajustou o cilindro, a música fluiu, se estendeu e se elevou encobrindo a ladainha, a enchente e o vendaval.


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