quarta-feira, julho 15, 2015

Assim Nasceu 

Portugal

(Domingos Amaral)




Episódio Nº 16











Essa radical solução imposta em Toledo não agradara a ninguém. Mas enquanto o imperador foi vivo só o conde Henrique o contestou, o que lhe valeu ser expulso de Toledo, banido pela ira real.

Os outros interessados, como Dona Urraca, Afonso I de Aragão, o arcebispo Gelmires, Pedro Froilaz de trava ou Dona Teresa, calaram-se e esconderam a cólera debaixo de falsos sorrisos, dominados pelo temor reverencial que tinham ao velho monarca.

Porém, não precisaram de esperar muito, pois meses depois o imperador morreu, e uma espectacular anarquia nasceu nas Hispânias.

- Parece que o mundo onde vivemos trinta invernos já não é o mesmo – acrescentou meu pai.

Quando três anos depois do falecimento do imperador, morreu estranha e prematuramente o conde Henrique, em toda a península já ninguém percebia quem lutava contra quem e porque o faziam.

Urraca lutava contra o marido, Afonso I de Aragão; contra a irmã Teresa; contra os partidários do filho, liderados pelo arcebispo Gelmires e por Pedro Froilaz de Trava; que por sua vez também lutavam contra Dona Teresa.

Todos lutavam contra todos. As alianças familiares duravam dias, semanas, no máximo meses, para depois serem desfeitas e substituídas por outras de sentido oposto. A zaragata cristã instalara-se.

- Está a acontecer-nos o mesmo que aos árabes – murmurou meu pai.

Oitenta e tal anos antes, a desagregação do califado de Córdova permitira finalmente aos cristãos avançarem na sua reconquista ibérica.

Assim se haviam tomado Coimbra, Santarém Lisboa Toledo, Valência e Saragoça, empurrando os mouros para o mar. Nem mesmo pedindo ajuda aos almorávidas, uma seita de berberes que se tornara poderosa em África, onde dominava já o Norte e os desertos, os muçulmanos peninsulares conseguiram mudar inicialmente o destino da guerra.

A história repete-se agora mas do lado oposto – confirmou Ermígio.

Tal como a morte de Al-Mansor lançara o califado de Córdova no caos, a morte do imperador Afonso VI esfrangalhara o poder cristão. E tal como as taifas mouras se haviam derretido em sangrentas quesílias entre tiranetes tontos, os reinos cristãos caíam no mesmo erro e perdiam os territórios tão duramente reconquistados, ao ponto das tropas de Ali Yusuf chegarem até Coimbra!

Desunidos, os árabes haviam sido presas fáceis para os cristãos. Desunidos, os cristãos estavam a ser presas fáceis para os almorávidas, conclusão que os irmãos Moniz tinham acabado de retirar, quando ouviram o inesperado grito de uma criança, no alto da torre do castelo.

Era Afonso Henriques, mas não perceberam porque berrava, e olharam um para o outro, preocupados.

- Devíamos tirá-lo daqui – disse Ermígio – Se o Califa o mata...

- Meu pai suspirou e depois lamentou-se:

 - Minha esposa Dórdia está muito doente, não aguenta uma viagem. Nem sei se voltará a ver Lamego.

Já tinham experimentado tudo, desde as mezinhas de pó de texugo aos sangrentos da veia do braço direito, mas Dória Viegas não melhorava.

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