Portugal
(Domingos Amaral)
Episódio Nº 16
Essa radical solução imposta em Toledo não agradara a ninguém. Mas enquanto o imperador foi vivo só o conde Henrique o contestou, o que lhe valeu ser expulso de Toledo, banido pela ira real.
Os outros interessados, como
Dona Urraca, Afonso I de Aragão, o arcebispo Gelmires, Pedro Froilaz de trava
ou Dona Teresa, calaram-se e esconderam a cólera debaixo de falsos sorrisos,
dominados pelo temor reverencial que tinham ao velho monarca.
Porém, não precisaram de
esperar muito, pois meses depois o imperador morreu, e uma espectacular anarqui a nasceu nas Hispânias.
- Parece que o mundo onde
vivemos trinta invernos já não é o mesmo – acrescentou meu pai.
Quando três anos depois do
falecimento do imperador, morreu estranha e prematuramente o conde Henrique, em
toda a península já ninguém percebia quem lutava contra quem e porque o faziam.
Urraca lutava contra o
marido, Afonso I de Aragão; contra a irmã Teresa; contra os partidários do
filho, liderados pelo arcebispo Gelmires e por Pedro Froilaz de Trava; que por
sua vez também lutavam contra Dona Teresa.
Todos lutavam contra todos.
As alianças familiares duravam dias, semanas, no máximo meses, para depois
serem desfeitas e substituídas por outras de sentido oposto. A zaragata cristã
instalara-se.
- Está a acontecer-nos o
mesmo que aos árabes – murmurou meu pai.
Oitenta e tal anos antes, a
desagregação do califado de Córdova permitira finalmente aos cristãos avançarem
na sua reconqui sta ibérica.
Assim se haviam tomado
Coimbra, Santarém Lisboa Toledo, Valência e Saragoça, empurrando os mouros para
o mar. Nem mesmo pedindo ajuda aos almorávidas, uma seita de berberes que se
tornara poderosa em África, onde dominava já o Norte e os desertos, os muçulmanos
peninsulares conseguiram mudar inicialmente o destino da guerra.
A história repete-se agora
mas do lado oposto – confirmou Ermígio.
Tal como a morte de
Al-Mansor lançara o califado de Córdova no caos, a morte do imperador Afonso VI
esfrangalhara o poder cristão. E tal como as taifas mouras se haviam derretido
em sangrentas quesílias entre tiranetes tontos, os reinos cristãos caíam no
mesmo erro e perdiam os territórios tão duramente reconqui stados,
ao ponto das tropas de Ali Yusuf chegarem até Coimbra!
Desunidos, os árabes haviam
sido presas fáceis para os cristãos. Desunidos, os cristãos estavam a ser
presas fáceis para os almorávidas, conclusão que os irmãos Moniz tinham acabado
de retirar, quando ouviram o inesperado grito de uma criança, no alto da torre
do castelo.
Era Afonso Henriques, mas
não perceberam porque berrava, e olharam um para o outro, preocupados.
- Devíamos tirá-lo daqui – disse Ermígio – Se o Califa o mata...
- Meu pai suspirou e depois
lamentou-se:
- Minha esposa Dórdia está muito doente, não
aguenta uma viagem. Nem sei se voltará a ver Lamego.
Já tinham experimentado
tudo, desde as mezinhas de pó de texugo aos sangrentos da veia do braço
direito, mas Dória Viegas não melhorava.
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