A Dificuldade das Abstracções
(David Sloan Wilson)
Outro camponês respondeu com eloquência à pergunta de como se achava como pessoa:
- «Que posso dizer sobre o meu coração? Como posso falar do meu
carácter? Pergunte aos outros; eles podem falar-lhe de mim. Eu mesmo não sei
dizer nada»
Estas respostas reflectem a tremenda necessidade das pessoas das
sociedades orais de usarem a cabeça para fins práticos. Abstracções como “círculo”, “ferramenta” ou o “género de pessoa que sou” são luxos que só
se tornam úteis no contexto de uma sociedade organizada pela escrita.
A paragem seguinte da nossa viagem é nos Estados Unidos e o nosso guia
é Richard Nisbett, um eminente psicólogo social cujo interesse na evolução
cultural despertou devido a uma sua experiência de juventude.
Nascido e criado no Texas, a Sul, mudou-se para Massachusetts, na costa
leste a Norte, e a diferença cultural entre as duas regiões saltou-lhe à vista.
O Sul é conhecido pela sua gentileza e hospitalidade, mas também pela
sua violência.
Ao longo da história americana, as rixas, os duelos e os linchamentos
têm tido lugar principalmente no Sul. Segundo uma estimativa, a taxa de
homicídios para os planaltos das montanhas Cumberland do Tennessee entre 1865 e
1915 era mais de dez vezes superior à média nacional actual e o dobro das
piores zonas degradadas urbanas.
Os sulistas interessam-se muito mais pela guerra e têm tido uma
representação excepcionalmente grande nas Forças Armadas dos Estados Unidos.
Até os entretenimentos são mais violentos no Sul. Se visitarmos um bar
do Sul, podemos assistir a um jogo chamado “purring” no qual dois homens se
agarram pelos ombros e dão pontapés um no outro até um deles ceder.
A violência no Sul tem sido atribuída a várias causas, como à miséria,
ao clima e à instituição da escravatura, que no passado sancionou a violência
enquanto forma de domínio social.
Mas há ainda um quarto sector que nada tem a ver com a história
americana.
As pessoas que colonizaram o Norte e o Sul já eram diferentes nas suas
práticas culturais antes de porem os pés no continente americano.
O Norte foi colonizado principalmente por agricultores e
comerciantes que estavam acostumados a ter os seus assuntos resolvidos por uma
forte autoridade política e religiosa, como os puritanos, que colonizaram a
nova Inglaterra, e os Quakers, que colonizaram a Pensilvânia e o Delaware.
O Sul foi colonizado em parte pelos filhos de famílias nobres
britânicas, que criaram plantações nas terás baixas férteis, mas ainda mais por
uma população de pastores das terras altas das Ilhas Britânicas, escoceses e
irlandeses, que se deslocaram para as regiões altas do Sul da América do Norte
e continuaram a viver em grande medida como tinham vivido até então.
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