Nós perdeu tudo o que tinha |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 278
Dodô tomou do passarinho com os olhos
úmidos e o colocou sob a camisa junto ao peito para que se aquecesse. Somente
então se interessou pela cadeira, único bem que lhe sobrava, pois do cancã não
encontrou vestígio por mais houvesse demorado a procurá-lo.
16
Tição Abduim e Bastião da Rosa desceram
juntos da casa do
Capitão onde haviam deixado as mulheres
e os filhos, Cristóvão e Otília, em companhia de Maria Rosa, a menina dos
tamanqueiros que iniciara a safra de partos no fim do inverno.
Tamancos ao sabor das águas afiguravam-se
pequenos barcos enfrentando tempestades.
Junto ao pontilhão o carpina Lupiscínio
montava guarda. Zinho buscara demovê-lo, inutilmente; decidira então fazer-lhe companhia.
Bastião da Rosa, que trabalhara com Guido e Lupiscínio no dificultoso
empreendimento, vangloriou-se:
-
Isso é que é obra de se tirar o chapéu. Viva nós, compadre
Lupiscínio! - O pontilhão era um dos
orgulhos de Tocaia Grande.
- Até agora tá agüentando. Vamos ver pra
diante. Onde ocês
tão indo?
-
Ver como o pessoal de lá tá se arranjando.
-
Nós vai trazer os meninos pra casa do Capitão - Esclareceu o negro: - Por que ocê não vem com
a gente? Pode ser de precisão.
- Vamos, Pai. - Insistiu o rapaz: - De
que adianta ficar aqui ? – Não adianta.
Vai tu com eles.
- Vou não. Fico com vosmicê. A primeira pessoa que enxergaram na casa
de farinha foi Coroca. Nos braços secos, a criancinha
que aparara horas antes e a quem haviam dado o nome de Jacinta.
Espalhados no tacho, os demais
recém-nascidos: as gémeas de Dinorá, os meninos de Hilda e Fausta. Faltava o de
Isaura, ocupado a sugar o peito materno úbere escuro e túmido: o leite escorria
farto.
Uns poucos homens: a maioria andava à
procura da canoa.
Molecas e moleques, indóceis, ali
contidos a duras penas. Um mundo de mulheres, silenciosas. Ambiente carregado,
triste,
Bastião da Rosa pilheriou na intenção de
desanuviá-lo:
- Bonita tachada de beijus!
Além de dois ou três moleques, apenas
sia Leocádia, sentada na rosca da prensa, as pernas cobertas pela água, riu da
brincadeira do mestre-de-obras. Ambrósio não achou graça, arrenegou:
- Nós vai levar muito tempo sem comer
beiju, sem torrar farinha. A mandioca se acabou, os roçados o rio levou. Nós perdeu
tudo o que tinha.
Sia Vanjé deu um passo em direção ao
marido e, sem desdizê- lo, fechou-lhe a boca de lastimação. De que adiantava se
queixar?
- Tá certo, meu velho, o rio levou um
punhado de coisas:
as roças, o rancho, os bichos. Mas não
levou tudo não. A terra tá aí, nós planta ela de novo, se Deus qui ser.
Amâncio, um dos estancianos, ripostou:
- Parece que Deus não tá querendo. Se
depender dele...
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