Sabia fazer mágicas e se comprazia em exibi-las. |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 294
Esclarecido o equívoco das pensões, cumpre
retornar a seu
Carlinhos Silva, hóspede de categoria: o
oposto, no físico e no
comportamento, ao seu antecessor.
O que tinha seu Cícero Moura de franzino e
escrupuloso, tinha seu Carlinhos de espadaúdo e espontâneo. Sarará de carapinha
loira e olhos claros, barata descascada, as más-línguas diziam-no filho natural
de Klaus Koifman, o fundador da firma.
Se assim não fosse, por que o gringo o
teria mandado, molecote, estudar na Alemanha e lá o mantivera durante anos?
Com a morte de Klaus, assumiu a chefia da
sociedade o irmão mais moço, Kurt, que, de imediato, ordenou o regresso ao
Brasil do protegido do finado chefão - filho natural?
Duvidoso. Filho da puta, com certeza.
Voltou o jovem Carlinhos a Ilhéus e à condição de órfão de Benedita Silva,
esplendor de negra que servira à mesa e esquentara a cama germânica de Klaus.
De estudante em Weimar passou a
escriturário na exportadora de cacau. Fez carreira.
Na festa do barracão revelou inesperada
faceta de sua humanidade: sabia fazer mágicas e se comprazia em exibi-las.
Escondia outras surpresas na manga do
colete como se viu depois, na hora da decisão.
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Razões de peso corroboravam a opinião
entusiástica e generalizada: a maior e melhor festa jamais vista em Tocaia Grande.
Imagine-se que o salão - esse, sim,
merecia ser chamado de salão de baile - fora iluminado com candeeiros de vidro,
as placas, artigo de luxo nas prateleiras do armazém, novidade incorporada aos
utensílios em voga no arraial, substituindo em algumas residências as candeias
e os fifós.
Sem querer desfazer do brilhantismo do
fole e da presença de Pedro Cigano, diga-se, para começo de conversa, não ter
sido ele o único músico a animar o dançarás.
Os estancianos trouxeram os instrumentos:
os violões, o cavaqui nho, a gaita, e
executaram variado repertório de músicas dançantes, em moda nos bailes de
Sergipe. Também o cego Tiago e o filho Lucas, os dois ao violão, demonstraram
seu valor.
Faziam parte de um grupo vindo de Taquaras,
composto por figuras de proa da localidade vizinha, convidados do Capitão, de
Lupiscínio, de Fadul, de Bastião da Rosa: o chefe da estação, seu Lourenço Bapt ista; o telegrafista, o almoxarife, dois ou três
comerciantes, alguns furões e Mara, abadessa de pensão de raparigas, acompanhada
de quatro expansivas folionas.
Procedentes das fazendas próximas,
alugados transitavam na feira desde cedo, faziam fila na pensão de Nora
Pão-de-Ló e nas portas das choças e casebres na Baixa dos Sapos: à noite,
devido à festa, as quengas trancariam os balaios.
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