A desonra da cabeça rapada por ter colaborado com o invasor. |
70 Anos Depois
2 de Setembro de 1945. Decorrem hoje 70 anos e a guerra,
a mais mortífera de todas, tinha oficialmente terminado. A europa ia poder
descansar das bombas, a morte e a destruição que vinham dos céus acabavam,
finalmente.
Alívio, esquecimento de um sonho mau tornado pesadelo
era o que deveriam esperar os sobreviventes de tamanha calamidade mas, em vez
disso, foi um despertar carregado de ódio, sedento de vingança.
Quatro anos de uma ocupação humilhante, por uma potência
militar que se instala no nosso país, na nossa casa, que põe e dispõe de tudo
quanto era nosso, incluindo as nossas vidas, é como mergulhar no mais tenebroso
dos nossos sentimentos.
Pensar que teria sido possível sobreviver a esses anos
de ocupação apenas com alívio e tentativa de esquecimento é ignorar a própria
natureza humana.
No dia seguinte, a 3 de Setembro de 45, explodiram o ódio
amarfanhado dentro dos peitos, a vingança retemperadora pelos danos sofridos,
de toda a espécie, o regresso ao passado recente para o ajuste de contas, a
tentativa inútil de esquecer.
A Conferência de Yalta, reunindo os vencedores, que
tinha começado a 4 de Fevereiro e terminara a 11, foi considerada um fracasso
esmagador pela cedência deplorável de Churchill e Franklin Roosevelt, este já
muito doente, faleceria dois meses depois, a Estaline, a quem entregaram a Polónia
e outros países da Europa de Leste para quase meio século de denominação
comunista soviética.
Nada poderia correr bem depois daquela guerra
devastadora provocada por um louco em fase terminal, nem politicamente, nem no
coração das pessoas sobreviventes.
As mulheres foram as grandes vítimas. Foi sobre elas, de
maneira acutilante que foram exercidas vinganças sob a acusação de colaboração “horizontal”
com os soldados alemães.
E quem eram essas mulheres?
- Muitas delas eram prostitutas que se tinham limitado a
continuar a sua actividade, agora com soldados alemães, outras eram
adolescentes patetas que achavam que namorar com um soldado alemão era um acto
de desafio, outras, ainda, eram professoras primárias que por viverem sozinhas
eram obrigadas a hospedar em suas casas soldados alemães e foram acusadas de
serem o “colchão dos boches”.
Por trás destes actos de vingança havia, igualmente,
inveja pelas “benesses”, ou pretensas “benesses”, que essas mulheres teriam
recebido em termos de alimentação ou de distracções.
Às mulheres suspeitas de colaboração cortava-se lhes o
cabelo e, bastava uma cidade, vila ou aldeia, ser libertada pelos aliados e
logo os “barbeiros” entravam em actividade, passeando-as, depois, de cabelo
rapado em camiões abertos num espectáculo vil que se tornou vulgar, nessa
altura, em França.
Os anteriores grupos da Resistência à ocupação alemã
mostraram-se, alguns deles, implacáveis para com as mulheres, talvez como forma,
também, de chamarem sobre si as atenções dos seus compatriotas mas, cumprindo
uma ameaça que já vinha sendo feita por eles, na imprensa clandestina, desde
1941.
Muitos franceses e soldados aliados ficavam revoltados
perante o tratamento infligido a estas mulheres transportadas em camiões de
caixa aberta, por vezes ao som de um tambor como se tratasse de um grupo de
condenadas e a França estivesse a viver a Revolução de 1789.
Umas eram besuntadas com alcatrão, outras estavam
semi-nuas e outras, ainda, enfeitadas com cruzes suásticas desenhadas a tinta
ou com baton.
Jock Colville, secretário particular de Churchil,
registou a sua reacção perante uma cena destas:
- “Vi passar um camião com uma dúzia de desgraçadas, com
a cabeça completamente rapada. Choravam, de cabeça baixa, cheias de vergonha.
Ainda que enojado com tanta crueldade, disse para comigo que nós, britânicos, não
tínhamos sido invadidos nem ocupados há 900 anos, pelo que não seríamos os juízes
mais indicados”.
A vingança sobre as mulheres representou a expiação das
frustrações e do sentimento de impotência dos homens humilhados pela ocupação
do seu país.
A natureza humana tem, dentro de si, mecanismos de
compensação: às violações por parte dos soldados alemães vencedores, as
humilhações impostas às mulheres francesas acusadas de colaboracionistas pelos
Resistentes franceses.
Só os espíritos superiores conseguem ultrapassar estas
misérias próprias da nossa natureza, mas esses estão sempre em grande minoria
incapazes de travar estas vagas de comportamentos aplicados como formas de
justiça.
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