(Domingos Amaral)
Episódio Nº 49
Não só se amigava com o
primo Tougues, como tempos antes, em ponte de Lima, se amigara com Ramiro! E
agora, descarada, fazia olhinhos de corça ao pai dele!
Aquelas pequenas nódoas na
reputação da vivaça moça, sussurradas a ouvidos atentos e espalhadas por
línguas palradoras, aniqui lariam
qualquer possível enlace com Afonso Henriques.
O príncipe jamais casaria
com uma tola que rodava de mão em mão.
“Jumenta, vou dar cabo de
ti”, foi o que pensou a minha prima Raimunda, cada vez mais brava. Só depois
olhou para Ramiro e teve pena dele.
Estarrecido, o pobre rapaz,
não conseguia balbuciar palavra enquanto vira o pai partir, de braço dado à
beldade.
Raimunda também sentiu uma
certa cumplicidade de estatuto. Ramiro e ela eram semelhantes: os ilegítimos,
os bastardos, cujo futuro seria a guerra ou o mosteiro.
- Ninguém nos quer para casar - lamentou-se
depois minha prima.
Ao longo da vida, dei-me
conta de que o infortúnio de nascença é razão de muitos ódios, e há quem nunca
se liberte da sua condição de partida.
Viseu, Sexta-Feira Santa,
Abril de 1126
- Quem andais a espiar outra
vez, ó vara de virar tripas?
Rodando os pés no chão,
Raimunda deu de caras com Fátima e com Zaida, as filhas de Zulmira, que as
seguia coberta por um manto roxo.
- Julgava-vos em Coimbra – exclamou minha
prima surpreendida.
Fátima libertou uma
gargalhada desdenhosa, enquanto a irmã se refugiava na sombra da mãe. As três
mouras continuavam prisioneiras dos cristãos, uma década depois de terem sido apanhadas.
Fátima contava já dezanove
anos, enquanto Zaida ia nos dezasseis.
Por vezes acompanhavam a
corte de Dona Teresa e haviam conhecido Guimarães e o Porto, Tui e Lamego,
Braga e agora Lamego.
No inverno do ano anterior
haviam mesmo peregrinado até ao mosteiro de Sahagún, passando de caminho por
Astorga e Zamora, mas depois Zulmira adoecera de forma inesperada durante a
descida para Toledo, a última cidade que estava previsto conhecer naquele longo
passeio, e regressara mais cedo a Coimbra com as filhas, enquanto Dona Teresa
seguia até à antiga capital visigótica.
Viemos festejar a Páscoa com
os porcos – disparou Fátima.
A filha bastarda de Ermígio
Moniz semicerrou os olhos, irritada.
- Vede como falais, não
tenho medo de vós.
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