(Domingos Amaral)
Episódio Nº 50
Fátima apontou o dedo para
um curral nas traseiras dos edifícios, onde eram visíveis vários suínos a
chafurdarem na lama.
. Estava a falar daqueles.
Veloz de espírito, Raimunda
retorqui u-lhe:
- Os porcos deram tal susto
ao vosso califa que ele se borrou de medo e há nove anos que não volta.
Fátima preparava-se para
disparar nova salva de crueldades, quando Zulmira se intrometeu, evitando o
azedar da polémica.
- E vós, não ides à missa? É
Sexta-Feira Santa.
Raimunda enfrentou a
distinta muçulmana com uma ponta de hostilidade, responsabilizando-a pelo
desbragamento da filha.
- Tendes de pôr pimenta na língua
da Fátima!
Nove anos depois da bulha
infantil com Afonso Henriques, a mais velha das meninas mouras continuava uma
fera bravia e indomável.
Contava-se que certa vez
tentara convencer o moçárabe de Coimbra a organizar uma fuga, levando-a dali
com a mãe e a irmã, provavelmente com destino a Córdova.
A partir de então todos
andavam de olho nela e rapidamente denunciavam qualquer engenhoso plano que
elaborasse para se escapulir.
Frustrada, a jovem moura
vingava-se com ditos excessivos e cruéis, com os quais fustigava os cristãos.
Embora por vezes temesse as
imprevisíveis consequências da linguagem da filha, recordo-me bem do orgulho
que Zulmira tinha nela, tão esperta e combativa.
Além disso, e ao pé da minha
prima Raimunda que era só pele e ossos, Fátima destacava-se, exuberante e
vistosa.
Os longos cabelos negros,
sempre desalinhados, o nariz fino e espetado, as sobrancelhas escuras e suaves,
o queixo pontiagudo e uns olhos escuros, que pareciam azeitonas de Andaluzia a
brilharem ao sol depois de colhidas, não faziam de Fátima uma mulher demasiado
bela, como a irmã Zaida era, mas mesmo assim fascinava os machos com a forma
como mexia as ancas, a maneira como se empertigava, espetando os pequenos seios
para a frente, para que reparassem neles.
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