quarta-feira, setembro 09, 2015

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

Episódio Nº 54





















Como quem conhece um segredo pecaminoso, Fátima declarou:

 - De anjo só tem a cara! Diz-se que adora ajoelhar em frente dos amigos e beijá-los onde eles se tornam duros.

Ouviu-se de imediato a voz imperativa de Zulmira:

 - Fátima!

A filha encolheu os ombros à repreensão da mãe e continuou:

- Se fosse ao Príncipe fugia dessa Chamoa a sete pés! As juras de amor da galega mudam de cada vez que nasce o sol! É um hoje, outro amanhã. Outro no Domingo, vai tudo a eito!

Inflamada por estas argumentações, a minha prima e as três mouras nem repararam que eu, meus irmãos e Afonso Henriques nos tínhamos aproximado.

Ao vê-las o príncipe saudou-as e perguntou:

 - A rapariga que por aqui passou há pouco era a Chamoa?

A minha prima Raimunda viria um dia a contar-me que naquele momento o seu coração quase explodia, estilhaçado de dor.

“Ele viu a jumenta e vai galá-la na missa!”, era o que ela pensava...

Pobre Raimunda como se ela tivesse o poder de impedir o amor de acontecer.

É sempre assim: quando amamos alguém, esse sentimento é tão forte que nos cega, dando-os uma ilusão de que seremos sempre amados de volta. Como se não existissem outras pessoas no mundo para amar, ou se como não houvesse loucos, incapazes ou solitários que não sabem, ou não podem, amar.



Viseu, Sexta-Feira Santa, Abril de 1126


Lembro-me que Teotónio, o prior de Viseu que todos consideravam um santo, sentara-se naquela tarde atrás do altar e observava a representação dos populares à sua frente.

No espaço que o separava dos primeiros bancos onde estavam os fiéis, um dos improvisados actores, barbudo e semi-nu, apenas com um trapo encardido enrolado à volta do baixo ventre, apresentava-se coberto de sangue na testa, debaixo da coroa de espinhos que lhe rodeava a cabeluda cabeça.

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