(Domingos Amaral)
Episódio Nº 54
Como quem conhece um segredo
pecaminoso, Fátima declarou:
- De anjo só tem a cara! Diz-se que adora
ajoelhar em frente dos amigos e beijá-los onde eles se tornam duros.
Ouviu-se de imediato a voz
imperativa de Zulmira:
- Fátima!
A filha encolheu os ombros à
repreensão da mãe e continuou:
- Se fosse ao Príncipe fugia
dessa Chamoa a sete pés! As juras de amor da galega mudam de cada vez que nasce
o sol! É um hoje, outro amanhã. Outro no Domingo, vai tudo a eito!
Inflamada por estas
argumentações, a minha prima e as três mouras nem repararam que eu, meus irmãos
e Afonso Henriques nos tínhamos aproximado.
Ao vê-las o príncipe
saudou-as e perguntou:
- A rapariga que por aqui
passou há pouco era a Chamoa?
A minha prima Raimunda viria
um dia a contar-me que naquele momento o seu coração quase explodia,
estilhaçado de dor.
“Ele viu a jumenta e vai
galá-la na missa!”, era o que ela pensava...
Pobre Raimunda como se ela
tivesse o poder de impedir o amor de acontecer.
É sempre assim: quando
amamos alguém, esse sentimento é tão forte que nos cega, dando-os uma ilusão de
que seremos sempre amados de volta. Como se não existissem outras pessoas no
mundo para amar, ou se como não houvesse loucos, incapazes ou solitários que
não sabem, ou não podem, amar.
Viseu, Sexta-Feira Santa,
Abril de 1126
Lembro-me que Teotónio, o
prior de Viseu que todos consideravam um santo, sentara-se naquela tarde atrás
do altar e observava a representação dos populares à sua frente.
No espaço que o separava dos
primeiros bancos onde estavam os fiéis, um dos improvisados actores, barbudo e
semi-nu, apenas com um trapo encardido enrolado à volta do baixo ventre,
apresentava-se coberto de sangue na testa, debaixo da coroa de espinhos que lhe
rodeava a cabeluda cabeça.
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