Coronel! Quilariá, Quilariô, o mundo se acabou |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 333
E naquela Véspera, quando se extinguisse o
canto das pastoras e as lanternas, as armações do Boi e do Temeroso e o
estandarte fossem recolhidos, o bombo bem guardado no depósito de cacau, então a
harmónica e os cavaqui nhos na certa
iriam convocar os moradores do arraial e os forasteiros para o fovoco
comemorativo da apresentação do reisado que se despedia:
Quilariô, qui lariá
Quando eu morrer
O mundo pode se acabar
O reisado dançava no meio do povo, o povo
dançava misturado com a figuração e a orquestra. No bombo, fazendo a marcação, Jãozé,
de Maroim, nos cavaqui nhos três
estancianos: Gabriel, Tarcísio e Jardelino.
E a sanfona, quem a dedilhava? É fácil
encontrar a chave da adivinha, aqui
vai uma pista: tratava-se de alguém jamais ausente das alegrias e das aflições
de Tocaia Grande.
Não era outro, e não poderia ser: tocando
e dançando ao mesmo tempo, em meio ao rancho de pastoras, feliz da vida, Pedro
Cigano, rapaz bonito, entoava o Canto da Despedida:
Quitariô, qui lariá
A Estrela-D'Alva
Só qui lareia
lá no mar
Afastavam-se as lanternas do reisado,
cruzaram com um cavaleiro que irrompia das trevas da noite: montado em pêlo,
desatinado, vinha a galope, gritando pelo Capitão.
Ao chegar diante dele, num pulo abandonou
a montaria e foi falando. Era o negro Espiridião:
- Natário! O Coronel estuporou! Morreu na
minha vista, sem dizer aqui -del-rei.
Esbugalhou os olhos, torceu a cara, entortou a boca e caiu de borco no
assoalho.
- Falou de um fôlego, talvez querendo
livrar-se da visão que trouxera nos olhos e no peito.
O coronel Boaventura Andrade caíra morto
na vista de Espiridião que guardava a porta do quarto do patrão e chefe para
defendê- lo de qualquer bandido pago por um inimigo para lhe fazer mal.
Espiridião não pudera enfrentar com o
clavinote a congestão que estava de tocaia, esperando a hora.
Na distância, o pastoril cantava adeus:
Quilariô, qui lariá
Quando eu morrer
O mundo pode se acabar
Quilariô, qui lariá
Zilda rompeu-se num soluço. O capitão
Natário da Fonseca, o rosto imóvel, carranca de pedra ou de madeira: com sua
licença, que desgraça mais grande.
Coronel! Quilariá, qui lariô,
o mundo se acabou.
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