sábado, setembro 26, 2015

Na hora do orgasmo recitava versos de Puskin
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 347






















Relacionamento dramático, não podiam se casar pois ele tinha esposa em Moscou, também prima do Czar, mas haviam jurado amor eterno e cumpriam a jura.

Venturinha pagava as contas e o fazia com justificado orgulho: não é todos os dias que se corneia um membro da família imperial de todas as Rússias.

Em La Datcha, cabaré moscovita na Place Blanche, acompanhada pelo irmão Piotr, virtuose da balalaica -  Pedrinho, meu irmão!, rogava Venturinha no auge da paixão e da bebedeira, - tange esse teu violão para me fazer chorar!

- Ludmila cantava melodias russas e dançava bailes do Cáucaso exibindo a perfeição das pernas. Em mesa próxima, o conde Konstantin, de antiga estirpe, e Boaventura Júnior, barão recente, aplaudiam, consumindo vodca e conhaque.

Ao fim da noite e do espectáculo, Piotr recolhia o escornado Konstantin, deixando aos cuidados do brasileiro, campeão continental da ingestão de aguardente, a tímida e sofrida Ludmila: na cama, impetuosa égua da cavalaria imperial, glória da corte do Czar.

 Na hora do orgasmo, recitava versos de Pushkin e orações ortodoxas.

A versão de Ludmila acerca dos sucessos de Moscou divergia um tanto quanto da proclamada pelo conde e coronel. Não no que se referia ao Grão-Duque Nicolás, o mastigador de alho: de fato, perseguira-a como um cão danado, obrigando-a a exilar-se em companhia do irmão.

Mas era falso que ela se houvesse apaixonado por Konstantin. Aproveitando-se de sua triste condição de fugitiva, emigrada em Paris, ele se impusera em seu leito de artista obtendo-lhe contratos e defendendo-a da cúpida agressão dos frequentadores de La Datcha.

Agradecida, ela o aceitara e o tolerava, mas daí a proclamar amor ia uma distância tão grande quanto a que separava a Praça do Kremlin, em Moscou, da Praça Pigalle, em Paris.

Numa e noutra variantes subsistiam hiatos, contradições, espaços em branco, incongruências, tudo devido ao precário domínio da língua francesa pelos personagens em causa, se bem Ludmila revelasse talento para o cultivo dos idiomas: com Venturinha aprendia palavrões em português e os repetia com adorável pronúncia, entre beijos.

De qualquer maneira, alguma verdade devia haver nas espaventosas narrativas, pois quando Ludmila Gregorióvna aceitou acompanhá-lo ao Brasil, o conde e coronel invadira o hotel do brasileiro, ameaçando-o de escândalo e morte, desafiando-o para duelo, adaga em punho.

De Venturinha tudo se podia dizer, menos que fosse medroso.
Já se encontrara às voltas, em ocasiões anteriores, com maridos e amantes em fúria e jamais se acagaçara.

Baixou o braço no parente do Czar, tomou-lhe a adaga e a guardou como troféu. Terminou por resolver o assunto com educação e generosidade, em francos franceses e libras inglesas, na falta de rublos.

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