Na hora do orgasmo recitava versos de Puskin |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 347
Relacionamento dramático, não podiam se
casar pois ele tinha esposa em Moscou, também prima do Czar, mas haviam jurado amor
eterno e cumpriam a jura.
Venturinha pagava as contas e o fazia com
justificado orgulho: não é todos os dias que se corneia um membro da família
imperial de todas as Rússias.
- Ludmila cantava melodias russas e
dançava bailes do Cáucaso exibindo a perfeição das pernas. Em mesa próxima, o
conde Konstantin, de antiga estirpe, e Boaventura Júnior, barão recente,
aplaudiam, consumindo vodca e conhaque.
Ao fim da noite e do espectáculo, Piotr
recolhia o escornado Konstantin, deixando aos cuidados do brasileiro, campeão
continental da ingestão de aguardente, a tímida e sofrida Ludmila: na cama,
impetuosa égua da cavalaria imperial, glória da corte do Czar.
Na
hora do orgasmo, recitava versos de Pushkin e orações ortodoxas.
A versão de Ludmila acerca dos sucessos de
Moscou divergia um tanto quanto da proclamada pelo conde e coronel. Não no que
se referia ao Grão-Duque Nicolás, o mastigador de alho: de fato, perseguira-a
como um cão danado, obrigando-a a exilar-se em companhia do irmão.
Mas era falso que ela se houvesse
apaixonado por Konstantin. Aproveitando-se de sua triste condição de fugitiva,
emigrada em Paris, ele se impusera em seu leito de artista obtendo-lhe
contratos e defendendo-a da cúpida agressão dos frequentadores de La Datcha.
Agradecida, ela o aceitara e o tolerava, mas
daí a proclamar amor ia uma distância tão grande quanto a que separava a Praça
do Kremlin, em Moscou, da Praça Pigalle, em Paris.
Numa e noutra variantes subsistiam hiatos,
contradições, espaços em branco, incongruências, tudo devido ao precário
domínio da língua francesa pelos personagens em causa, se bem Ludmila revelasse
talento para o cultivo dos idiomas: com Venturinha aprendia palavrões em português
e os repetia com adorável pronúncia, entre beijos.
De qualquer maneira, alguma verdade devia
haver nas espaventosas narrativas, pois quando Ludmila Gregorióvna aceitou
acompanhá-lo ao Brasil, o conde e coronel invadira o hotel do brasileiro, ameaçando-o
de escândalo e morte, desafiando-o para duelo, adaga em punho.
De Venturinha tudo se podia dizer, menos
que fosse medroso.
Já se encontrara às voltas, em ocasiões
anteriores, com maridos e amantes em fúria e jamais se acagaçara.
Baixou o braço no parente do Czar,
tomou-lhe a adaga e a guardou como troféu. Terminou por resolver o assunto com
educação e generosidade, em francos franceses e libras inglesas, na falta de
rublos.
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