Apaixonado até aos grogomilos e os escrotos. |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 346
Os exageros e a retórica de Fuad Karan
correspondiam à comoção da cidade ainda sob o impacto da presença embriagadora de
Ludmila Gregorióvna Cytkynbaum: tanto no cabaré quanto na Matriz, recintos
animados, sua aparição de neve e fogo, pendurada ao braço de Venturinha, causava
sensação, provocava tumulto: todos queriam vê-la, aquecer-se em seu sorriso,
morrer no desmaio de seus olhos.
No cabaré silenciava a avinhada
barulheira, na Igreja rompia o devoto silêncio, aqui
e ali ouviam-se ahs! E ohs! de cobiça e entusiasmo e uma chama de desejo se
elevava em torno dela como um halo divino, a fulgurante cauda de um cometa.
9
A notícia do falecimento do coronel
Boaventura Andrade interrompera os fascinantes estudos de Venturinha na
Sorbonne da Place Pigalle, apressando-lhe a volta ao Brasil.
Naquela noite, o bacharel encharcou em
vodca o remorso e ò desgosto, amarrou o porre de sua vida.
Também Ludmila Gregorióvna, ao tomar
conhecimento da tragédia que se abatera sobre seu "paizinho", teve
uma crise de nervos, caiu num pranto agoniado, não um chorinho qualquer com
duas lágrimas acanhadas: pranto à eslava, com chilique, desvario e orações em
russo.
Apaixonado até os gorgomilos e os
escrotos, o novel europeu decidiu trazer Ludmila para o Brasil em sua
companhia, melhor maneira de importar a cultura da Europa no que ela tinha de
mais representativo.
Acompanhou-a o irmão, Piotr
Sergueinovitch, mas o amante, Konstantin Ivanovitch Surkov, ficara em Paris
roendo tampa de penico na folclórica expressão do triunfante Venturinha.
O conde e coronel da Guarda Imperial
Konstantin Ivanovitch
Surkov, parente da família imperial mas em
desacordo com o
Czar, confidenciara um segredo de estado a
Venturinha, le Baron Boaventura Boaventurovitch como se fizera conhecido nos
círculos da imigração eslava: Ludmila Gregorióvna também tinha sangue nobre se
bem não o proclamasse devido ao infortúnio que a obrigava a cantar melancólicas
baladas nos cabarés parisienses.
Fugira da corte em virtude de ignóbeis
perseguições do Grand-Duc Nikolai Nikolaievitch Romanov, que a queria de
concubina.
Tio do Czar Nikolai II, generalíssimo dos
exércitos russos, infernava-lhe a vida. Tendo Venturinha estranhado que a
requestada não se houvesse entregue a tão poderosa e eminente figura,
Konstantin Ivanovitch explicou ao seu querido Boaventura Boaventurovitch que a
pequena Ludi, fina e sensível, não suportava o olor de alho do hálito do
generalíssimo: os beijos do Grão-Duque causavam-lhe náuseas, sustentavam-lhe a
virtude.
Por isso acompanhara Konstantin quando o
coronel dissidente se exilara em Paris.
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