sexta-feira, setembro 25, 2015

Apaixonado até aos grogomilos e os escrotos.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 346






















Os exageros e a retórica de Fuad Karan correspondiam à comoção da cidade ainda sob o impacto da presença embriagadora de Ludmila Gregorióvna Cytkynbaum: tanto no cabaré quanto na Matriz, recintos animados, sua aparição de neve e fogo, pendurada ao braço de Venturinha, causava sensação, provocava tumulto: todos queriam vê-la, aquecer-se em seu sorriso, morrer no desmaio de seus olhos.

No cabaré silenciava a avinhada barulheira, na Igreja rompia o devoto silêncio, aqui e ali ouviam-se ahs! E ohs! de cobiça e entusiasmo e uma chama de desejo se elevava em torno dela como um halo divino, a fulgurante cauda de um cometa.



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A notícia do falecimento do coronel Boaventura Andrade interrompera os fascinantes estudos de Venturinha na Sorbonne da Place Pigalle, apressando-lhe a volta ao Brasil.

Naquela noite, o bacharel encharcou em vodca o remorso e ò desgosto, amarrou o porre de sua vida.

Também Ludmila Gregorióvna, ao tomar conhecimento da tragédia que se abatera sobre seu "paizinho", teve uma crise de nervos, caiu num pranto agoniado, não um chorinho qualquer com duas lágrimas acanhadas: pranto à eslava, com chilique, desvario e orações em russo.

Apaixonado até os gorgomilos e os escrotos, o novel europeu decidiu trazer Ludmila para o Brasil em sua companhia, melhor maneira de importar a cultura da Europa no que ela tinha de mais representativo.

Acompanhou-a o irmão, Piotr Sergueinovitch, mas o amante, Konstantin Ivanovitch Surkov, ficara em Paris roendo tampa de penico na folclórica expressão do triunfante Venturinha.

O conde e coronel da Guarda Imperial Konstantin Ivanovitch
Surkov, parente da família imperial mas em desacordo com o
Czar, confidenciara um segredo de estado a Venturinha, le Baron Boaventura Boaventurovitch como se fizera conhecido nos círculos da imigração eslava: Ludmila Gregorióvna também tinha sangue nobre se bem não o proclamasse devido ao infortúnio que a obrigava a cantar melancólicas baladas nos cabarés parisienses.

Fugira da corte em virtude de ignóbeis perseguições do Grand-Duc Nikolai Nikolaievitch Romanov, que a queria de concubina.

Tio do Czar Nikolai II, generalíssimo dos exércitos russos, infernava-lhe a vida. Tendo Venturinha estranhado que a requestada não se houvesse entregue a tão poderosa e eminente figura, Konstantin Ivanovitch explicou ao seu querido Boaventura Boaventurovitch que a pequena Ludi, fina e sensível, não suportava o olor de alho do hálito do generalíssimo: os beijos do Grão-Duque causavam-lhe náuseas, sustentavam-lhe a virtude.

Por isso acompanhara Konstantin quando o coronel dissidente se exilara em Paris.

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