quinta-feira, setembro 24, 2015

Bonita é adjectvo impróprio
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 345












                                              









Para Fadul, desterrado pelo bom Deus dos maronitas nos cafundós de Tocaia Grande, as vindas às ruas agitadas das cidades, para refazer o estoque, resgatar duplicatas vencidas e assinar novas, ir aos bares e cabarés e às pensões de putas, e para ver o mar virar espuma nas praias ilheenses, havia, além do mais, o privilégio da prosa com as duas sumidades, os dois letrados: Álvaro Faria, no porto de Ilhéus, Fuad Karan, no sertão deItabuna.

Pareciam-se os dois no pouco apreço por qualquer trabalho que não fosse pura elucubração intelectual: a conversação, o jogo de pôquer e o comentário das ocorrências locais.

Fuad Karan levava discreta vantagem sobre o parceiro no conceito de Fadul, por ser árabe e falar a língua do profeta com mel e tâmaras, com açúcar e anis.

A par de todos os acontecidos e de todas as invencionices, Fuad os relatava e analisava com conhecimento e graça. Fadul ouvia extasiado.

- Bonita? - Voz de cobiça e de apetite, Fadul quis saber.

- Bonita é adjetivo impróprio para definir Ludmila Gregorióvna: digamos bela, de preferência.

Quero crer que seja eurasiana, mestiça de eslavo e semita; ainda será nossa parenta distante e disso devemos nos orgulhar.

Além de bela, é mística por ser russa, dramática pois é judia, romântica e sensual devido ao sangue árabe. Se tua sorte de Grão-Turco ainda persiste, poderás vê-la durante o dia atravessar a rua para entrar nas lojas e desdenhar do mostruário ou, acompanhada de nosso jovem monarca, reinar à noite no cabaré com a longa piteira de jade e os olhos verdes.

 -Resumiu seus sentimentos numa expressão em árabe:
ia hôhi!

- Como veio parar aqui?

- Trazida por Venturinha, de que outra forma poderia ser?

- E por que veio com o doutorzinho? - Fadul ainda não se considerava bem informado.

- Porque é puta, esse é seu ofício. Disfarça cantando baladas russas. Assassina "O Barqueiro do Volga" com uma perfeição extraordinária.

O irmão, diga-se de passagem, toca balalaica bastante bem: deve-se confessar por ser verdade.

- Será mesmo irmão?

- Andei investigando e concluí que os laços que unem Ludmila Gregorióvna e Piotr Sergueinovitch são realmente de sangue e não de cama. Irmãos por parte de mãe. Quanto a ela ser puta, não a devemos condenar assim sem mais nem menos.

Por dinheiro, somente se vende ao nosso bravo Venturinha, aos demais dá de graça pelo prazer da fornicação, e nós sabemos, meu Fadul, que não existe prazer igual, no mundo, ao de fornicar.

- Não existe mesmo.

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