Nunca prometi servir a viúva ou o filho. |
Tocaia Grande
(Jorge Amado)
Episódio Nº 339
Trouxe uma apresentação pro Coronel e ele
me acolheu.
A égua Imperatriz do coronel Robustiano e
a mula preta do capitão Natário iam parelhas em passo lento e cuidadoso na
vereda entre os cacaueiros.
O Coronel não comentou, o Capitão
prosseguiu a narrativa:
- Coronel Boaventura já tava metido nos
barulhos, como vosmicê sabe pois andaram juntos. Fez confiança em mim, me entregou
uma repetição e me levou com ele.
Posso dizer que ele me criou, sempre me
tratou como se deve tratar um homem, devo a ele o que sou e o que tenho. Não me
lembro de meu pai: comeu os tampos de minha mãe, capou o gato. O pai que
conheci foi o coronel Boaventura.
- Mas ouvi ele mesmo dizer que você salvou
a vida dele mais de uma vez. Boaventura não lhe fez favor quando mandou botar
em seu nome o chão que nós tamos pisando.
- O Coronel me acoitou e me pagava o soldo
de jagunço pra velar por ele. Sou ligeiro no gatilho e no pensamento. Só fiz a minha
obrigação. Se ele qui sesse, podia
não ter me dado nem terra nem patente.
Não vou dizer a vosmicê que não mereci,
mereci bem merecido, só que ele não tava obrigado a reconhecer pois havia o
couto e a paga.
O Capitão soltara a rédea sobre o cabeçote
da sela, deixava a mula ir a locé pela trilha conhecida, ele percorria outros
caminhos, os do passado, onde, às vezes, nem trilha havia:
- O coronel Boaventura foi o homem mais
valente e o mais direito que conheci e eu não me importava se tivesse de morrer
por ele. Foi por isso que mesmo depois de ser possuidor de terra e de ter
plantado cacau, não larguei do serviço dele, continuei cuidando da Atalaia.
Disse a ele em mais de uma feita: enquanto
vosmicê for vivo e me qui ser, sou um
cabra a seu serviço.
Pra depois da morte dele só prometi uma
coisa e essa tou cumprindo. Mas nada tem que ver com roça de cacau e com posto
de administrador.
- Me disseram que Venturinha ofereceu lhe
pagar o que você pedisse.
- Coronel, eu penso que todo homem tem
vontade de ser dono de sua sina. Quando eu comecei a ganhar a vida,
acompanhando romeiro lá no São Francisco, ouvi o povo dizer que a sina da gente
tá escrita no céu e ninguém pode mudar, mas meu pensar é diferente.
Acho que cada criatura tem de cuidar de si
e sempre tive vontade de ser dono de mim mesmo. Servi o Coronel por mais de
vinte anos: tinha dezessete quando arribei por aqui ,
já festejei quarenta e dois.
Nunca prometi servir à viúva ou ao filho. Nem
nunca ele me pediu.
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