quarta-feira, setembro 16, 2015

O sujeitinho não valia o cartucho que gastei
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)


Episódio Nº 338




















Como pudera dona Ernestina suportar o acontecido sem cair morta ali também, no mesmo instante, ao lado do marido?

Com um grito atirou-se sobre o corpo inerte, e quando Sacramento conseguiu levantá-la, abraçou-se com a moça, juntas choraram.

O marido morto, o filho longe, sozinha e perdida, dona Ernestina encontrou amparo e consolo na devotada e incansável Sacramento.

Levou-a consigo no trem especial em que, na manhã seguinte, embarcaram o corpo do falecido para enterrá-lo em Ilhéus.

Chegado às pressas, no meio da noite, Natário se encarregara de tomar as providências. O rosto imóvel não deixava transparecer o que sentia, trancado num silêncio duro e opaco.

A partir de então até o desembarque de Venturinha, Sacramento fez companhia a dona Ernestina e chorou com ela a morte do coronel Boaventura Andrade, fazendeiro de cacau,
milionário, chefe de jagunços, senhor das sesmarias da Atalaia, mandachuva em Ilhéus e em Itabuna.

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Se, como era voz corrente e ele próprio, coronel Robustiano de Araújo, pudera constatar, o trato dado às roças da Fazenda da Atalaia fosse idêntico ao dispensado por Natário aos cacauais da Boa Vista, tinha Venturinha razão em demasia ao se aborrecer com a recusa do administrador a se manter no posto.

Inabalável recusa, não houve proposta de dinheiro, vantagens outras e diversas capazes de modificar a decisão de Natário.

Por que razão? - Perguntou o coronel Robustiano de Araújo, a curiosidade se manifestando entre os louvores ao viço das roças e à floração paradisíaca: nada mais próximo à beleza do Paraíso do que a comovente imagem de uma plantação de cacau carregada de flores e de bilros.

O capitão Natário da Fonseca ouviu a indagação sem mover um único músculo do rosto de curiboca: a face cobreada, os olhos miúdos, nos lábios aquele fio de sorriso que o bacharel e poeta Medauar um dia comparara a um fino corte de navalha.

 Sorriso enigmático, uns pensavam-no zombeteiro, outros achavam-no amedrontador.

- Vou lhe dizer, Coronel, se tiver paciência pra me ouvir. Vim de Sergipe, era um menino, tinha feito uma estrepolia por lá.

Coisa de somenos, o sujeitinho não valia o cartucho que gastei.

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