sexta-feira, outubro 23, 2015

Cavaco no seu melhor
Cavaco

no seu 

melhor












O seu anti-comunismo primário adivinhava-se quando foi autorizado pela PIDE, em 1967, a manusear documentação classificada de secreta no seu segundo nível mais elevado, tendo, então, declarado pelo seu punho, numa Ficha que lhe foi aberta por aquele organismo, “estar integrado no regime de Salazar” e “não exercer qualquer actividade política”.

Por outras palavras, era um homem de confiança do regime e quando ontem, depois de nomear Pedro Passos Coelho, se atirou aos comunistas como “gato a bofe”, voltou a demonstrar que continua a ser um homem do regime de Salazar.

Sagaz, astuto, matreiro e sonso, teve o grande mérito de cavalgar todas as ondas que lhe eram favoráveis, empurrado ou por sua iniciativa, soube manobrar entre todos os homens influentes de direita, servindo interesses e cultivando o papel de homem sério e impoluto na linha do seu grande inspirador, Oliveira Salazar.

Ontem, depois de ter investido Pedro Passos Coelho 1º Ministro do próximo governo do país, por ter sido o líder mais votado nas eleições, abriu a alma e deixou os portugueses na dúvida se investirá, também, António Costa do PS, no caso de Passos Coelho cair por uma moção de rejeição votada na Assembleia e aquele se apresentar a formar novo governo com o apoio maioritário dos deputados comunistas e do BE.

Ficou claro que se o vier a fazer, o seu coração sangrará de dor e o seu curriculum político ficará, aos seus olhos, manchado ... e, logo agora, quando estava mesmo a chegar ao fim da sua vida política.

O espírito democrático de Cavaco faz-me lembrar Henry Ford, salvaguardadas as diferenças, quando no princípio da sua carreira de construtor de automóveis em série, que se vendiam como papo-secos, dizia que os seus clientes tinham toda a liberdade para escolher a cor que quisessem para o seu automóvel... desde que fosse preto!

Tal como Cavaco dirá que investe qualquer um “desde que não seja comunista, aparentado ou seu vizinho...”

Mas Henry Ford não estava sozinho, tal como Cavaco também não estará, nesta liberdade coxa pois os fabricante europeus de automóveis do pós – guerra: ingleses, franceses, italianos, também só vendiam carros pretos.

Eu sei, porque sou desse tempo, tal como o Cavaco que tem a minha idade, e recordo muito bem o Vauxall que o meu pai comprou, logo a seguir à guerra com a matrícula IE-12-86, preto, como todos os outros, dentro da liberdade de escolha que os compradores tinham, o que não obstou a que ele tivesse feito as delícias da minha meninice.

Talvez Cavaco esteja, também ele, preso a fortes recordações da infância, daquelas que marcam para o resto da vida, heranças de família, coisas genéticas, influências, religiosidade, disciplina e obediência características desses tempos e que não casam facilmente com liberdade e democracia.

Um pouco de tudo isso que ele disfarçou mal ao longo da vida com uma capa de verniz que ontem estalou.

Os comentadores da política focam-se nos poderes do Presidente da República inscritos na Constituição, analisaram a letra e o espírito da lei fundamental, aquilo que ela diz e o que não diz.

Mas eles não mergulharam no coração daquele homem que sempre sentiu um ódio contido pelos comunistas e que agora, no fim da sua vida política, pode vir a ser confrontado com um “estender de mão”, um débil gesto de aceitação que seja, para com aqueles que nasceu e aprendeu a renegar e esconjurar... o que é muito mais difícil do que ter levado Henry Ford, no pós-guerra, a fazer sair das suas linhas de produção em série, um carro amarelo.

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