terça-feira, outubro 27, 2015

Por que o amigo Fadu diz uma coisa dessas?
Tocaia Grande
(Jorge Amado)

Episódio Nº 373


















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Encostado ao balcão, Pedro Cigano servira-se, por conta própria, do trago matinal para lavar a boca. Passara boa parte da noite se arrastando nos matos, acompanhando a movimentação dos jagunços, vindos de Taquaras, em marcha forçada.

Hábito maquinal, Fadul reparou na baixa dada na garrafa de cachaça pelo corre-mundo. Suspendeu os ombros, o momento não era apropriado para reclamar.

Muito provável que a razão estivesse com Durvalino e ninguém escapasse: no estado de guerra em que se encontravam não cabiam as mesquinharias do comércio.

Apenas comentou com certa aspereza:

- Tu escolheu uma hora azarada para aparecer. Não podia ser pior.

- Por que o amigo Fadu diz uma coisa dessas? Ficou de mal comigo?

- Quem melhor sabe o porquê é tu que viu os cabras, pois não viu? Tão vindo pra atacar Tocaia Grande, tu não sabe?

- E eu já faltei alguma vez? Se faltei, pode dizer. Quem tava aqui quando Manuelzinho, Chico Serra e Janjão desvastaram tudo?

 E na enchente, quem saiu à procura de seu Cícero Moura e de Ção, coitadinha dela? E na febre, quem foi buscar remédio?

Não sou de me gabar, amigo Fadu, menos ainda de fugir na hora do pega pra capar. Pergunte ao Capitão, que ele me conhece não é de hoje.

Pousou o copo no balcão sebento, coçou a gaforinha:

- Que é que o amigo me diz da gente comer uma lasca de jabá pra quebrar o jejum? Saco vazio não fica em pé e nós precisa forrar a pança antes que comece o tempo quente.

Entregava a harmónica ao turco: - Guarde a sanfona por favor que é pra nós festejar depois.


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Comprovaram a exatidão das notícias fornecidas por Pedro
Cigano, coincidiam com o escrito da professora Antónia, mandado em mão própria, por um seu aluno, o capeta Lazinho, filho de Lourenço, chefe da estação.

Acostumado a levar cartas e telegramas ao coronel Boaventura Andrade, na Fazenda da Atalaia, o moleque, montado num burro em pêlo, precedera os jagunços, possibilitando a tomada de providências.

Providências urgentes e nem sempre fáceis.

Não fora fácil convencer o negro Espiridião a ir para a Fazenda Boa Vista, mas ele decidiu-se a fazê-lo por amizade a Natário: foi, a rogo do companheiro de tantos anos e de tantas tropelias, guardar-lhe a mulher e os filhos para que o amigo pudesse comandar com mais tranqüilidade a defesa de Tocaia Grande.

Quando o Capitão lhe falara no assunto, o negro por pouco se melindra:

- Pra roça? Ocê tá me desconhecendo, Natário? Sair daqui, logo agora? Virar um velho frouxo? Nanja eu.

- E tem no mundo quem possa achar que tu é frouxo?

Espantou-se tanto o Capitão que até se pôs a rir, coisa que só de raro em raro acontecia: - Tire isso da cabeça e me ouça, por favor.

- Colocou a mão no ombro do negro num gesto afetuoso, para melhor o convencer: - Por que tu veio praqui? - Tu não veio por causa de Tocaia Grande, veio pra me ajudar porque nós é como se fosse irmãos. Tou mentindo?

- Tu tá falando a verdade.

- Pois entonces. Tu me ajuda mais se for ficar com Zilda e os meninos, não tem ninguém de confiança pra acudir se for preciso.

O que não falta é cabra malvado por aí.


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