Por que o amigo Fadu diz uma coisa dessas? |
Tocaia
Grande
(Jorge Amado)
Episódio Nº
373
14
Encostado ao balcão, Pedro Cigano
servira-se, por conta própria, do trago matinal para lavar a boca. Passara boa
parte da noite se arrastando nos matos, acompanhando a movimentação dos
jagunços, vindos de Taquaras, em marcha forçada.
Hábito maqui nal,
Fadul reparou na baixa dada na garrafa de cachaça pelo corre-mundo. Suspendeu
os ombros, o momento não era apropriado para reclamar.
Muito provável que a razão estivesse com
Durvalino e ninguém escapasse: no estado de guerra em que se encontravam não
cabiam as mesqui nharias do comércio.
Apenas comentou com certa aspereza:
- Tu escolheu uma hora azarada para
aparecer. Não podia ser pior.
- Por que o amigo Fadu diz uma coisa
dessas? Ficou de mal comigo?
- Quem melhor sabe o porquê é tu que viu
os cabras, pois não viu? Tão vindo pra atacar Tocaia Grande, tu não sabe?
- E eu já faltei alguma vez? Se faltei,
pode dizer. Quem tava aqui quando
Manuelzinho, Chico Serra e Janjão desvastaram tudo?
E
na enchente, quem saiu à procura de seu Cícero Moura e de Ção, coitadinha dela?
E na febre, quem foi buscar remédio?
Não sou de me gabar, amigo Fadu, menos
ainda de fugir na hora do pega pra capar. Pergunte ao Capitão, que ele me
conhece não é de hoje.
Pousou o copo no balcão sebento, coçou a
gaforinha:
- Que é que o amigo me diz da gente comer
uma lasca de jabá pra quebrar o jejum? Saco vazio não fica em pé e nós precisa forrar
a pança antes que comece o tempo quente.
Entregava a harmónica ao turco: - Guarde a
sanfona por favor que é pra nós festejar depois.
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Comprovaram a exatidão das notícias
fornecidas por Pedro
Cigano, coincidiam com o escrito da
professora Antónia, mandado em mão própria, por um seu aluno, o capeta Lazinho,
filho de Lourenço, chefe da estação.
Acostumado a levar cartas e telegramas ao
coronel Boaventura Andrade, na Fazenda da Atalaia, o moleque, montado num burro
em pêlo, precedera os jagunços, possibilitando a tomada de providências.
Providências urgentes e nem sempre fáceis.
Não fora fácil convencer o negro
Espiridião a ir para a Fazenda Boa Vista, mas ele decidiu-se a fazê-lo por
amizade a Natário: foi, a rogo do companheiro de tantos anos e de tantas
tropelias, guardar-lhe a mulher e os filhos para que o amigo pudesse comandar
com mais tranqüilidade a defesa de Tocaia Grande.
Quando o Capitão lhe falara no assunto, o
negro por pouco se melindra:
- Pra roça? Ocê tá me desconhecendo,
Natário? Sair daqui , logo agora?
Virar um velho frouxo? Nanja eu.
- E tem no mundo quem possa achar que tu é
frouxo?
Espantou-se tanto o Capitão que até se pôs
a rir, coisa que só de raro em raro acontecia: - Tire isso da cabeça e me ouça,
por favor.
- Colocou a mão no ombro do negro num
gesto afetuoso, para melhor o convencer: - Por que tu veio praqui ? - Tu não veio por causa de Tocaia Grande, veio
pra me ajudar porque nós é como se fosse irmãos. Tou mentindo?
- Tu tá falando a verdade.
- Pois entonces. Tu me ajuda mais se for
ficar com Zilda e os meninos, não tem ninguém de confiança pra acudir se for
preciso.
O que não falta é cabra malvado por aí.
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