Um encanto de cantora russa |
Tocaia Grande
(Jorge Amado)
Episódio Nº 357
Visitaram as roças em plena colheita - o
trabalho dos alugados começava às cinco da manhã - e o curral das vacas
leiteiras onde, aproveitando-se de uma distração de Venturinha interessado na
novilha Sulamita, o coronel Demostinho correra a mão na nobre bunda de Ludmila
Gregorióvna e lhe sussurrara, o bafo fazendo cócegas no cangote:
- No dia que qui ser,
esta casa é sua, assim como uma outra que fica em Ilhéus, em frente ao mar. - Disse
em seu melhor francês num murmúrio de brisa matutina.
Ludmila respondeu com um sorriso e um
olhar enigmáticos como soem ser sorrisos e olhares de heroínas russas.
O bravo Coronel antes de retirar a mão que
sopesava o elegante rabiosque, ferrou-lhe delicado beliscão para recordar-lhe a
oferta, concluir o trato.
Inolvidável jornada para os olhos de
Ludmila Gregorióvna
Cytkynbaum. A estrada margeava os
cacauais: os cocos amarelos refulgiam na luz da manhã, plantação mais bela não
existe, nem mesmo o trigal maduro nas estepes.
Paravam de fazenda em fazenda para
desalterar, aceitando um gole d’água, um cafézinho, provando doce de banana em
rodinhas ou de laranja-da-terra, deliciando-se com um copo de suco feito com o
mel que cobre os grãos de cacau, invenção dos deuses.
Para conhecer a cantora russa que elas
sabiam rapariga do doutor Venturinha, as senhoras dos coronéis abandonavam as
cozinhas e os preconceitos e se apresentavam na estica, os vestidos domingueiros
enfiados às pressas. Ludmila estendia a ponta dos dedos para o beijo dos
fazendeiros, sorria formosa e modesta para as senhoras donas, dizia merci e
vous êtes três gentille, Madame.
Um encanto de cantora russa.
Todo aquele trópico ardente e delirante,
de coronéis milionários e de miseráveis alugados, de casas-grandes fartas e de
casebres de barro, era o oposto e o igual das planuras da Rússia de nobres, de
kulakes e de servos.
Ludmila Gregorióvna trocava língua com
Piotr, seu irmão, expressando a esperança de receber, mais dia menos dia, das
mãos dadivosas de paizinho Boaventura ou de outro tão rico quanto ele, a prenda
de um campo e de uma aldeia com servos negros.
Vivia numa exaltação de descoberta, tudo
lhe parecia amoroso e romanesco, com uma pitada de perigo: as serpentes e os
bandidos.
A Santa Missão a encantou e foi ela quem
estabeleceu a comparação histórica e erudita com o Santo Ofício, demonstrando mais
uma vez a Venturinha caído dos quartos de tanta paixão não ser apenas uma fêmea
deslumbrante e incontinente: incontinente na cama, tão-somente.
Acrescentava à beleza os dotes de
inteligência e de cultura: podia dar lições aos bacharéis de Itabuna.
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