quinta-feira, novembro 19, 2015

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)





Episódio Nº 113
















Aquela antiga lembrança pareceu desequilibrá-lo e, enfurecido, deu meia-volta e saíu do quarto. Desceu as escadas a correr, pregando, no final um violento pontapé na porta, que saltou das dobradiças.

A sua fúria parecia impossível de estancar, e atravessou o pátio às biqueiradas em barris e fardos de palha. Por fim, entrou de rompante no quarto onde pernoitava e logo saíu de volta com uma espada na mão.

Colérico, vergastou o alpendre, sulcando as vigas de madeira e trespassou mais barris e fardos, desvairado e aos urros:

 - Canalhas, malditos!

Só perante a chegada de meu pai, Egas Moniz, o meu melhor amigo acalmou e suspendeu aquelas brutais investidas. Eu estava na varanda, e vi-o a arfar e a ranger os dentes.

Meu pai e ele ficaram a olhar um para o outro calados, como se soubessem que um novo tempo, conturbado e perigoso, iria começar.

Depois, estranhamente sereno, Afonso Henriques disse a meu pai, antes de entrar em casa:

 - Preparai-vos para a guerra.

Meu pai ficou no alpendre, pensativo, a mirar a habitação da rainha, no interior da qual se via ainda a luz trémula das velas.

Depois, minha prima Raimunda apareceu vinda do escuro onde se escondia para todos espiar, e quando se preparava para entrar o meu pai apenas lhe disse.

 - Hoje não, deixai-o sozinho.


Viseu, Domingo de Páscoa, Abril de 1126

Quando se soube da sua partida, suspeitei de que Ramiro decidira fugir do pai. É evidente que ele teria preferido mil vezes que Chamoa casasse com o príncipe pois assim ficaria longe dela, e o seu coração não sofreria tanto. Com aquela decisão da rainha sentia-se enlouquecer.

Não poderia regressar à Maia, seria incapaz de ver Chamoa nas mãos e na cama do seu progenitor. Ao planear a sua escapada, confessou-me tempos mais tarde, lembrara-se de Gondomar.

Ouvira-o dizer que partiria de Viseu no domingo e a ideia de se juntar à Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo pareceu-lhe a única saída.

Ao fazê-lo aproximava-se perigosamente do segredo da relíquia, que só seu pai conhecia.

 Naquela noite, Ramiro levou apenas o arco e as flechas, e correu pelas ruas, saindo por uma das portas da muralha. Já na estrada além de vários mendigos que se arrastavam enregelados, viu uma mulher que caminhava à sua gente.

Era alta e forte e estava enrolada num manto para se proteger do frio da noite. Ao ouvir passos virou-se para ver quem a seguia e Ramiro perguntou-lhe pelos homens de Gondomar.

Acho que já partiram – informou ela.

Disse que se chamava Elvira e sorriu levemente quando Ramiro lhe perguntou onde podia encontrar uma montada.

- Ides roubar um cavalo?


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