(Domingos Amaral)
Episódio Nº 100
O Trava mirou o prior,
desagradado, mas Dona Teresa nem se mexeu.
- Até na casa de Deus
praticais o adultério! – gritou Teotónio.
O Trava alertou subitamente
a rainha, que abrira os olhos ao ouvir o grito, indicando-lhe que Teotónio se
estava a referir a eles. Dona Teresa franziu a testa sem perceber.
- Não vos bastou o incesto
do passado? – rugiu o prior.
Ao escutar a palavra
proibida toda a igreja se calou, pois não houve uma única alma que não soubesse
a quem ele se referia.
- Não vos bastou esse terrível pecado que Deus
considera aberrante? Ainda tendes de o agravar com um adultério vergonhoso?
A infanta Urraca Henriques
estava já a choramingar, pois sofria sempre que alguém lembrava as origens
duvidosas do seu casamento.
Herdara o marido da mãe, mas
Bermudo era bom homem, não era justo aquele fustigar impiedoso.
Ao seu lado, o esposo
mantinha os olhos no chão, envergonhado. Já Dona Teresa sentou-se hirta e
zangada, olhando para Teotónio em desafio. Contudo , o prior de Viseu não se
acanhou.
- É bem sabido que vós,
Fernão Peres, tendes esposa legítima perto de Compostela! Por que não passais
com ela as aleluias?
O Trava empalideceu, Nunca
esperara tal humilhação pública e não sabia o que fazer. Num Domingo de Páscoa,
não se interrompia a homilia de um prior, ainda para mais um com fama de santo!
- E vós Dona Teresa, sabeis
que a excomunhão é a punição dos que não respeitam as regras da Santa Madre
igeja?
Um rumor espantado percorreu
a multidão. Teotónio ameaçava a rainha com uma excomunhão, em plena missa de
Domingo de Páscoa?
Até Afonso Henriques estava
surpreendido com tamanha violência verbal! Porém, a seu lado, a família Ribadouro
mantinha-se calma como se nada disto fosse uma surpresa e foi essa inesperada
tranqui lidade que levou Paio Soares
a murmurar a Egas e a Hermígio, volteando o seu balandrau azul-escuro:
- Isto foi idéia vossa, é tão certo como me
chamar Paio!
Rapidamente os presentes
retiraram as suas conclusões. Para os galegos e restantes apoiantes da rainha e
do trava, aquele ataque religioso confirmava a divisão cavada na corte e o ódio
larvar sentido pelos portucalenses.
Para estes, except uando Paio Soares, era uma bem-vinda vantagem
moral de quem ainda não tinha força militar para mais.
Contudo, poucos ficaram
convencidos que aquela forte repreensão fosse suficiente para alterar as ideias
futuras do casal régio.
Dona Teresa já antes fora
excomungada, já mandara prender o arcebispo de Braga, já lutara contra a irmã
Urraca, já afrontara Afonso de Aragão e também o Arcebispo de Compostela, e
nada a fizera parar.
Não seria o discurso de
Teotónio, por mais veemente que fosse, que lhe mudaria o carácter ou os propósitos.
A rainha limitou-se,
portanto, a suspirar quando o prior de Viseu informou a congregação de que
avisaria Roma daquela excomunhão.
Até que o Papa se
pronunciasse, havia de correr muita água debaixo das pontes.
Levantando-se, a rainha
sorriu a Teotónio, com uma desfaçatez magnânima, e abandonou a missa alegre e
bem disposta, de braço dado com o Trava.
Depois da Igreja esvaziar,
Soeiro Mendes e os irmãos Moniz de Ribadouro, bem como Afonso Henriques e seus
amigos, dirigiram-se a Teotónio para lhe beijarem a mão, como era costume na
Páscoa.
Contente, Egas Moniz
afirmou:
- O Trava ficou sem pinga de
sangue. Os outros acenaram com a cabeça concordando, e o prior resmungou as
suas fúrias, que só terminaram quando pousou uma mão carinhosa no ombro do
príncipe e disse:
- Querem tirar-vos o
Condado. Mas não deixaremos
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