(Domingos Amaral)
Episódio Nº 101
O meu amigo Afonso Henriques,
apesar de muito respeitar Teotónio, a quem considerava um santo, calou a sua
descrença nos resultados deste público vexame.
Embora capt asse o febril ambiente conspirativo entre os
portucalenses, sentia-se estranhamente desinteressado.
Como me confessou depois,
queria ir ter com Chamoa, não voltara a falar com ela desde a véspera e só a
vira na igreja, sempre linda, sorridente, sardenta e apetitosa, de touca no
cabelo e botinhas de couro de cervo.
Mas quando saímos foi
Raimunda que apareceu exaltada.
- A rainha fez de conta mas
está morta de medo! Diz que a querem envenenar. Obrigou os cozinheiros a
provarem o jantar à frente dela!
Quer chifres de unicórnio
nas sopas, e ágatas e línguas de serpente nos molhos das carnes e dos peixes,
para ver se mudam de cor!
Dona Teresa tinha o pavor
dos envenenamentos e muitas vezes mandara para trás travessas repletas de
manjares por suspeitar do cheiro, da cor, ou por apenas um poço de medo no
lugar do coração.
Banquetes reais já haviam
sido amputados das melhores iguarias só porque ela temia o aspecto de uma
vianda de leite, de uma peixota, ou de uma carne estufada.
Devido ao que acontecera ao
marido, em Astorga, tais receios não eram de estranhar, mas naquele dia lembro-me
de que comentei.
- Ela que coma só passas!
Gonçalo protestou de pronto.
- Que dizeis, só frutos secos? – Cruzes,
estamos pior do que os apóstolos na Última Ceia!
Vi Afonso Henriques piscar o
olho à minha prima Raimunda, agradecendo-lhe a informação preciosa. A sua mãe
estava aflita e o Trava também devia temer a contestação dos portucalenses.
Animado, abraçou-me e a
Gonçalo e dirigimo-nos para a tenda onde decorria o jantar de Páscoa. Quanta ilusão
tínhamos...
Viseu, Domingo de Páscoa, Abril
de 1126
Os convidados emparelhavam-se,
como era costume, comendo dois a dois de cada escudela de prata. Embora
estivesse ao lado de Chamoa, Paio Soares ficou furioso quando compreendeu que
era Afonso Henriques que formara par com a rapariga galega.
Irritado, o nobre
portucalense foi obrigado a partilhar a sopa com o conviva à sua direita, o pai
de Chamoa, Gomes Nunes de Pombeiro, enquanto escutava os sussurros trocados
pelos apaixonados.
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