A Caixa de Pandora |
A Esperança
e a Raiva
Se a
esperança for o motor de arranque de um carro a gasóleo, hoje em dia muito
idênticos aos de gasolina, a raiva funciona como um propulsor de um carro de
corrida... saem disparados.
Qual
de vós não se sentiu já impulsionado por cada um destes dois motores de
arranque?
Vivemos
com esperança, ela faz-nos acreditar, motiva-nos para o dia de amanhã, leva-nos
a pensar que tu vai correr bem... “pelo menos tenho essa esperança”... dizem
umas pessoas, enquanto que outras, ao contrário, desabafam: ... já não
acredito, perdi toda a esperança...”
Mas
não se perde, porque o sol nasce todos os dias, a vida renasce e renova-se com
ele e a esperança, a pouco e pouco, regressa.
Assim,
a esperança acompanha-nos por toda a vida, quase que diria que faz parte dela
mas a raiva, não.
Em
um dia da minha vida, estávamos em 1977, passei da esperança à raiva e nessa
noite, ela, a raiva, não me deixou dormir.
De
manhã saltei da cama como que impulsionado por uma mola porque a raiva é assim,
uma explosão de energia, quer acção, não aceita a expectativa, não nos deixa
ficar na estação à espera da camioneta, metemo-nos a caminho se houver caminho
a percorrer.
Em
1977, mais de meio milhão de portugueses tinham regressado de Angola e
Moçambique, a maior parte sem nada ou quase nada como eu, por exemplo, meti-me
no avião com a roupa que tinha no corpo e deixei para trás a minha casa, com a
mesa do pequeno almoço ainda posta, o meu local de trabalho e o automóvel que entreguei
a um amigo no estacionamento do aeroporto.
Não,
isto não tem nada a ver com a minha raiva, apenas com o contexto: em determinados momentos da vida, certas pessoas, não devem estar em certos locais, e foi isso
que aconteceu com os portugueses em Angola, Moçambique e comigo.
As independências
foram um desses momentos. Caixas de Pandora que se abriram e libertaram, em
primeiro lugar, as coisas boas, os festejos, os abraços, a esperança...
Mas a Caixa
oferecida a Pandora pelos deuses, tinha segundas intenções ou não viesse ela
dos deuses, e guardou para o fim, o que tinha reservado lá no fundo para
libertar: as coisas más, como as guerras, a morte, a destruição, a dor.
Os portugueses foram
apanhados neste turbilhão porque estavam lá. Foi injusto, mas é assim: são as
vicissitudes da história dos povos.
Não apela à raiva e
os que cederam a ela arrependeram-se, mas antes à compreensão do homem e dos seus
impulsos como grupos humanos, neste caso, impedidos de trilhar o seu próprio
caminho durante muitos anos.
As forças que então
se libertaram são difíceis de controlar e aqueles momentos, para angolanos e
moçambicanos, foram sentidos como de oportunidades, que o eram, de facto, mas
que dificilmente, seriam aproveitados da forma certa.
O meu momento de
raiva havia de chegar posteriormente, nas terras do meu país, na cidade conqui stada por Afonso Henriques, Santarém, também ela
lotada de retornados vivendo, acumulados, em casa de familiares em situações de
grande tensão, porque, naturalmente, não havia habitações que chegassem para
tantas famílias desembarcadas assim de rompante.
Mas amanhã, falo-vos
do meu momento de raiva...
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