(Domingos Amaral)
Episódio Nº 139
Contudo, como se situava na
fronteira com Leão, essa proximidade aumentava o grau de ousadia da
investidura, transformando-a numa clara provocação ao seu primo.
A juntar a isso, ir a
Zamora, implicaria a ausência de Afonso Henriques na cerimónia solene que o
novo rei marcara para Ricolayo, e para a qual convidara todos os nobres dos
três reinos, com o objectivo de confirmar as suas vassalagens.
A mensagem era, pois,
límpida. A mãe podia prestar vassalagem a Afonso VII, mas ele não o faria e, em
vez disso, armava-se cavaleiro!
Por fim, havia naquele
gesto, um sofisticado requi nte de
imitação. Dois anos antes, industriado pelo Arcebispo Gelmires, Afonso
Raimundes, também se armara a si próprio cavaleiro na Catedral de Santiago,
contra a vontade da sua mãe, Urraca.
Como se sabia, morta a mãe,
ele era agora o novo rei. A mesma lógica futura se devia deduzir do gesto de
Afonso Henriques, mal a mãe morresse, seria o rei portucalense.
É evidente que todos – Paio
Mendes, meu pai, meu tio, Gonçalo e eu – estávamos conscientes do perigo da
situação. A dupla afronta podia gerir uma dupla guerra.
Por um lado, Dona Teresa
ficava fragilizada com esta investidura, pois todos sentiriam que já não
mandava no filho.
Por outro, imitar Afonso VII
era convocar a sua ira. O Príncipe Afonso Henriques não iria aceitar facilmente
que um dos seus principais súbitos o desafiasse assim!
A viagem foi, portanto,
organizada em segredo.
Zamora não era longe de Ricobayo, e quando a comitiva do
príncipe saiu de Guimarães o destino oficial era esse, e só perto dele nos desviámos.
Ao chegarmos a Zamora,
Afonso Henriques deu ordem aos escudeiros para levarem as suas armas para o
interior da Catedral.
Já lá dentro, aproximou-se
do altar principal, de São Salvador, ajoelhou e rezou. O compenetrado Paio
Mendes estava a seu lado, enquanto atrás dele, se mantinham meu tio Ermígio,
sempre distinto na sua bela dalmática, eu e Gonçalo, os únicos amigos
presentes.
Do lado direito ficou meu
pai, Egas Moniz, junto a um grande cofre de ferro.
Vi o príncipe levantar-se,
dar um passo em frente e começar a vestir a cota de malha e a loriga. Depois,
colocou a armadura, apertou as fivelas, pôs o capacete e voltou a olhar para o
altar onde a figura de Cristo, na cruz, se realçava.
Então, meu pai, Egas Moniz,
retirou do cofre uma grande espada e entregou-a ao príncipe
- É a espada de vosso pai – disse-lhe.
O meu melhor amigo colocou-a
na bainha, à cintura. Em silêncio proferiu nova oração, mexendo apenas os
lábios, enquanto Paio Mendes e meu pai davam um passo atrás e ajoelhavam, junto
a nós.
Agora, só o príncipe estava
de pé, e em cima do altar só restava o escudo, a última peça das suas armas. Em
silêncio, ergueu-o com a mão direita e depois enfiou o braço esquerdo por
dentro da alça, para o segurar.
Estava agora com as armas
todas em frente de Deus, e tendo como testemunhas um arcebispo, os seus aios e
dois amigos, rezou uma nova oração e com um gesto lento mas seguro, retirou a
enorme espada de seu pai da bainha, com a mão direita.
Levantou-a e pousou-a
ligeiramente sobre o altar, ante de a erguer de novo de novo na vertical e de
levar o seu punho direito à altura do peito.
Todos suspendemos a
respiração. Sabíamos estar a presenciar um momento único das nossas vidas.
Éramos os mais próximos daquele príncipe, que amávamos e considerávamos o nosso
corajoso chefe.
Faríamos por ele o que nos
pedisse e, caso fosse necessário, morreríamos a defendê-lo.
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