quinta-feira, dezembro 24, 2015

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

Episódio Nº 140





















Naquele instante, Afonso Henriques pareceu-me um gigante, um ser do outro mundo, um rei das ancestrais histórias da cavalaria visigótica, um herói magnífico bafejado pela sorte de Deus.

Em silêncio, com o coração emocionado, escutei a sua voz e ela era forte, profunda e serena.

Em nome de Deus e do apóstolo Santiago, eu, Afonso Henriques, filho do conde Henrique e da condessa Dona Teresa e neto de D. Afonso, imperador da Hispânia, armo-me cavaleiro pela graça de Jesus Cristo e de Nossa Senhora, neste santo dia de Pentecostes.

O príncipe mantivera a espada ao alto, em frente da sua cara, e depois tocou no seu ombro esquerdo e no direito. De seguida ajoelhou em frente à imagem de Jesus Cristo e rezou de novo, sempre com a espada levantada.

Quando terminou, colocou-a na bainha, levantou-se e virou-se para trás.

O primeiro a aproximar-se dele foi Paio Mendes, arcebispo de Braga que o abraçou fortemente, os olhos a brilharem de crença no futuro.

Depois, meu tio Ermígio Moniz, calmo e silencioso, abraçou também o meu melhor amigo que lhe agradeceu o quanto aprendera com ele.

Seguiu-se meu pai, comovido, que ao envolvê-lo murmurou:

 - Que honra, meu filho.

Meu pai tinha os olhos marejados de lágrimas e a sua voz tremia ligeiramente quando acrescentou:

- Dórdia gostaria muito de vos ver neste dia.

Na cara do meu amigo príncipe nasceu um sorriso infantil e surpreendido, também ele sentindo saudades daquela mulher que todos nós sempre amáramos.

Nesse momento ajoelhei à frente dele, mas Afonso Henriques deu-me a mão e obrigou-me a levantar.

- Nenhum amigo se ajoelha à minha frente, Lourenço Viegas.

Lembro-me de lhe ter dito:

 - Obrigado meu príncipe.

Ele corrigiu-me de imediato:

 - Afonso Henriques é o meu nome, e para os meus irmãos sê-lo-à sempre!

Embora soubesse que tudo tinha mudado nas nossas vidas concordei com um sorriso e depois dei um passo atrás.

Então Gonçalo ficou frente ao príncipe. Atrapalhado, perguntou:

- E eu tenho de ajoelhar?

Nós rimo-nos e Afonso Henriques abriu-lhe os braços.

Sois como meu irmão.

Gonçalo abraçou-o, mas continuava envergonhado, via-se que não estava à vontade com estas manifestações, por isso deu dois passos para trás, olhou para mim e perguntou:

- E agora, vamos jantar?

A sorrir começamos a dirigir à saída, mas antes o príncipe entregou a meu pai a espada do conde Henrique e disse-lhe:

 - Um dia podereis devolver-ma.

Saímos da catedral e juntámo-nos à pequena comitiva que tinha vindo connosco. Vários cavaleiros-vilões olharam para Afonso Henriques, intrigados por o verem de armadura, e aos poucos a notícia foi correndo e todos o vieram saudar.

Depois para evitarmos cruzarmo-nos com Afonso VII ou com Dona Teresa partimos pela estrada de Salamanca. Quando Zamora ficara já para trás, Afonso Henriques acercou-se de mim e de Gonçalo. Sem o capacete, a armadura e o escudo parecia o nosso amigo de sempre

Decidi viver em Guimarães – informou.

Olhou para Gonçalo e perguntou:

- Podeis mudar-vos para lá?

 - Claro, desde que possa levar umas soldadeiras...

Depois, olhou para mim.

- A Maria quer viver em Lamego ou em Tui?

Suspirei e sugeri:

 - Iremos para Guimarães. Ela quer que eu fique junto de vós.

O príncipe aprovou e acrescentou:

 - Assim vou sabendo novidades de Chamoa.

Ao ouvi-lo, Gonçalo resmungou:

- Essa também, tanta coisa... e casou sem pestanejar!

Cinco semanas depois da Páscoa, Paio Soares e Chamoa Gomes tinham casado na Maia, na presença de Dona Teresa, mas não do príncipe, que regressara a Guimarães depois da frustrada a tentativa para raptar a sua amada.

Ligeiramente irritado com o comentário crítico do amigo, Afonso Henriques declarou:

 - Não digas mal dela à minha frente.

Permanecia enamorado e disse-nos:

 - Gostava tanto que ela me tivesse visto hoje.


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