(Domingos Amaral)
Episódio Nº 140
Naquele instante, Afonso
Henriques pareceu-me um gigante, um ser do outro mundo, um rei das ancestrais
histórias da cavalaria visigótica, um herói magnífico bafejado pela sorte de
Deus.
Em silêncio, com o coração
emocionado, escutei a sua voz e ela era forte, profunda e serena.
Em nome de Deus e do
apóstolo Santiago, eu, Afonso Henriques, filho do conde Henrique e da condessa
Dona Teresa e neto de D. Afonso, imperador da Hispânia, armo-me cavaleiro pela
graça de Jesus Cristo e de Nossa Senhora, neste santo dia de Pentecostes.
O príncipe mantivera a
espada ao alto, em frente da sua cara, e depois tocou no seu ombro esquerdo e
no direito. De seguida ajoelhou em frente à imagem de Jesus Cristo e rezou de
novo, sempre com a espada levantada.
Quando terminou, colocou-a
na bainha, levantou-se e virou-se para trás.
O primeiro a aproximar-se
dele foi Paio Mendes, arcebispo de Braga que o abraçou fortemente, os olhos a
brilharem de crença no futuro.
Depois, meu tio Ermígio
Moniz, calmo e silencioso, abraçou também o meu melhor amigo que lhe agradeceu
o quanto aprendera com ele.
Seguiu-se meu pai, comovido,
que ao envolvê-lo murmurou:
- Que honra, meu filho.
Meu pai tinha os olhos
marejados de lágrimas e a sua voz tremia ligeiramente quando acrescentou:
- Dórdia gostaria muito de
vos ver neste dia.
Na cara do meu amigo
príncipe nasceu um sorriso infantil e surpreendido, também ele sentindo
saudades daquela mulher que todos nós sempre amáramos.
Nesse momento ajoelhei à
frente dele, mas Afonso Henriques deu-me a mão e obrigou-me a levantar.
- Nenhum amigo se ajoelha à
minha frente, Lourenço Viegas.
Lembro-me de lhe ter dito:
- Obrigado meu príncipe.
Ele corrigiu-me de imediato:
- Afonso Henriques é o meu nome, e para os
meus irmãos sê-lo-à sempre!
Embora soubesse que tudo
tinha mudado nas nossas vidas concordei com um sorriso e depois dei um passo
atrás.
Então Gonçalo ficou frente
ao príncipe. Atrapalhado, perguntou:
- E eu tenho de ajoelhar?
Nós rimo-nos e Afonso
Henriques abriu-lhe os braços.
Sois como meu irmão.
Gonçalo abraçou-o, mas
continuava envergonhado, via-se que não estava à vontade com estas
manifestações, por isso deu dois passos para trás, olhou para mim e perguntou:
- E agora, vamos jantar?
A sorrir começamos a dirigir
à saída, mas antes o príncipe entregou a meu pai a espada do conde Henrique e
disse-lhe:
- Um dia podereis devolver-ma.
Saímos da catedral e
juntámo-nos à pequena comitiva que tinha vindo connosco. Vários
cavaleiros-vilões olharam para Afonso Henriques, intrigados por o verem de
armadura, e aos poucos a notícia foi correndo e todos o vieram saudar.
Depois para evitarmos
cruzarmo-nos com Afonso VII ou com Dona Teresa partimos pela estrada de
Salamanca. Quando Zamora ficara já para trás, Afonso Henriques acercou-se de
mim e de Gonçalo. Sem o capacete, a armadura e o escudo parecia o nosso amigo
de sempre
Decidi viver em Guimarães –
informou.
Olhou para Gonçalo e
perguntou:
- Podeis mudar-vos para lá?
- Claro, desde que possa levar umas
soldadeiras...
Depois, olhou para mim.
- A Maria quer viver em
Lamego ou em Tui?
Suspirei e sugeri:
- Iremos para Guimarães. Ela quer que eu fique
junto de vós.
O príncipe aprovou e
acrescentou:
- Assim vou sabendo novidades de Chamoa.
Ao ouvi-lo, Gonçalo
resmungou:
- Essa também, tanta
coisa... e casou sem pestanejar!
Cinco semanas depois da
Páscoa, Paio Soares e Chamoa Gomes tinham casado na Maia, na presença de Dona
Teresa, mas não do príncipe, que regressara a Guimarães depois da frustrada a
tentativa para rapt ar a sua amada.
Ligeiramente irritado com o
comentário crítico do amigo, Afonso Henriques declarou:
- Não digas mal dela à minha frente.
Permanecia enamorado e
disse-nos:
- Gostava tanto que ela me tivesse visto hoje.
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