sábado, dezembro 26, 2015

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

Episódio Nº 141





















Ricobayo, Pentecostes, Junho de 1126



À medida que a tarde caía, o ambiente ia ficando mais pesado na enorme tenda que Afonso VII mandara erguer à entrada da povoação de Ricobayo.

Desde as primeiras horas da manhã que o novo rei recebia nobres galegos, leoneses e castelhanos. Os Trava, com o pai, Pedro Froilaz à cabeça, haviam-lhe já beijado a mão, mas o encontro com Dona Teresa fora adiado devido às ausências relevantes de Afonso Henriques e dos senhores de Toronho e Celanova.

Foi já ao final da tarde que o monarca coroado há poucas semanas mandou finalmente entrar a comitiva portucalense, onde marcava presença o novo Mordono-Mor, Paio Soares e à qual se haviam juntado Fernão Peres de Trava e seu irmão Bermudo.

Nervosa e pálida, Dona Teresa beijou o sobrinho na mão e depois foi sentar-se num banco, enquanto o Mordomo e os Trava se mantinham de pé, à frente do rei de Leão, Castela e Galiza.

Aos vinte e um anos, Afonso VII, parecia banhado em autoridade natural e carisma. Sagaz, falador mas decidido, era também um homem vaidoso e apresentava uma riquíssima dalmática roxa, que o cobria dos ombros aos pés, transportando na cabeça a magnífica coroa do seu avô Afonso VI, incrustada de safiras, rubis e pérolas.

Da última vez que Dona Teresa o vira, o sobrinho não usava barba, mas agora deixara-a crescer, influenciado pelas novas modas, importadas de Bizâncio. Ouvi-o dizer:

- Segundo sei, tendes pretensões a apresentar.

A custo, dominada por um estranho mal estar, Dona Teresa amparou-se a Fernão Peres. Relembrou as antigas decisões de seu pai, Afonso VI, e lá acabou por afirmar, de forma não muito convicta, que se julgava no direito de ser rainha da Galiza, pois tinha sido prejudicada em Toledo, e considerava ser aquele o momento da recompensa.

Durante anos governara com mestria o Condado de Portucalense, rechaçara dois ataques do califa Ali Yusuf  a Coimbra e provera a união entre as famílias do Norte e do Sul da velha Galécia, como os Romanos lhe chamavam, consolidando a sua ligação à mais importante casa da região, com o matrimónio entre a sua filha mais velha, Urraca Henriques e Bermudo de Trava.

Ao ouvi-la falar nesse casamento o rei não evitou um sorriso jocoso mas nada disse. Dona Teresa prosseguiu aludindo reconhecer a autoridade régia de Afonso VII, bem como a sua vontade de, tal como o avô, ser coroado imperador de Hispânia.

Porém, ao fazê-lo, devia permitir que ela ascendesse a rainha da Galiza.

No final deste longo monólogo, o novo rei perguntou-lhe:

 - Quantas horas terei de esperar por meu primo Afonso Henriques?

Dona Teresa empalideceu um pouco mais. E Gomes Nunes também se recusou a vir? E o pai da minha amiga Teresa Celanova, sabeis dele? – questionou o rei.

Paio Soares deu um audaz passo em frente e atreveu-se a dizer:

- Meu rei, sou Mordomo-Mor de Dona Teresa e casei-me com Chamoa Gomes, filha de Gomes Nunes. A minha esposa já está grávida e sua irmã Maria Gomes também vai casar-se também vai casar-se em breve.

Com tantos afazeres gomes Nunes viu-se obrigado a permanecer em Tui, enviando-me como seu representante, pois sou seu genro.

O rei mirou-o demoradamente e depois abanou a cabeça.

É ele que me tem de prestar vassalagem, não vós. Pelo menos enquanto for vivo.

Paio Soares engoliu em seco, perante a ameaça velada de Afonso VII, e nesse momento Dona Teresa sacudiu-se com um súbito e inesperado voto, levando a mão à boca.

Fernão Peres olhou-a, alarmado, mas o rei com um vislumbre de malícia na voz, perguntou:


- Estais de esperanças, minha tia? Na vossa idade é uma ousadia!

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