Disco voador em Mangue Seco? |
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)
Episódio nº 41
DA POLUIÇÃO E DOS OBJECTOS NÃO IDENTIFICADOS, CAPÍTULO MUITO INCREMENTADO OU A VISITA DO AREÓPAGO
Na porta da Agência dos Correios e Telégrafos, dona Carmosina estende as mãos
em boas vindas:
- Entrem, meninas, estava esperando.
Comandante Dário levanta-se para cumprimentar as paulistas, logo volta à
leitura da notícia da primeira página de A TARDE, comenta indignado:
- Não é possível que o governo vá permitir este absurdo. Os directores de uma
fábrica igual a essa, igualzinha, para produzir dióxido de titânio, foram
condenados à prisão, na Itália. O Juiz, um macho, meteu todos no xadrez.
- Fábrica de quê? Me explique, Comandante.
- Estou lendo na gazeta que acaba de ser constituída no Rio de Janeiro uma
empresa para montar uma fábrica de dióxido de titânio no Brasil. Uma
monstruosidade.
Por quê? Troque em miúdos.
- É a indústria mais poluidora que se conhece. Basta lhe dizer que só existem
seis fábricas destas em todo o mundo. Nenhuma na América, nem do Norte, nem do
Sul. Nenhum país quer essa desgraça em seus limites.
- É assim?
Dona Carmosina intervém:
- Traga o recorte do Estado para Tieta ler. O Estado de São Paulo, jornal de
sua terra – ri da pilhéria – publicou um artigo contando que um juiz da Itália
condenou os directores de uma fábrica dessas à cadeia por crime de poluição.
- Por crime de poluição? É o que precisa fazer em São Paulo : meter um bocado
de gente no xadrez antes que a cidade acabe.
- O pior – acrescenta o Comandante – é que o jornal já adianta que as
autoridades não vão permitir a instalação da fábrica no Sul do país. Querem
situá-la no Nordeste. É sempre assim: o que é bom, fica no sul. Para o Norte
sobra o refugo.
- É que em São Paulo ,
Comandante, a poluição já está de uma forma que ninguém suporta mais.
- Onde iremos parar? Felizmente, nosso pequeno paraíso privado, Agreste, está
longe de tudo isso…
Leonora aproveita para o elogio:
- Mãezinha sempre me falava que aqui
era bonito à Bessa mas não pensei que fosse tanto. É uma coisa!
- Você ainda não viu nada… - dona Carmosina se inflama – Agreste, em matéria de
paisagem, não perde nem para a Suiça. Me fale depois de ir a Mangue Seco.
- Quando vão a Mangue Seco? Ficarão connosco na Toca da Sogra, eu e Laura
fazemos questão – oferece o Comandante.
Muito obrigado. Aceito, até comprar terreno, levantar minha palhoça. Vai ser
logo, logo – responde Tieta. – Tínhamos pensado ir nesse sábado, passar o
Domingo. Mas Perpétua encomendou uma missa para Felipe e vai entronizar o
sagrado coração de Jesus na sala.
- Tieta Trouxe um Sagrado Coração para Perpétua que é um colosso. Pode ser que
na Baía tenha outro igual mas eu duvido – conta dona Carmosina.
- Verei hoje à noite, penso ir com Laura fazer nossa visita de boas vindas.
Quanto a Mangue Seco, a casinha está às ordens quando qui serem.
Lá, todo o dia é dia de Domingo.
O grupo aumenta com a chegada de Aminthas e Seixas. Os olhos gulosos varam a
transparência dos longos cafetãs das duas elegantes. Seixas só falta babar.
Aminthas pergunta ao Comandante:
- Mestre Dário, que história é essa que está correndo por aí? Me disseram que
apareceu um disco voador em
Mangue Seco , todo mundo viu.
- Eu soube, os pescadores me contaram. Alguns garantem ter visto um objecto
estranho e ruidoso sobrevoando a praia e o coqueiral. Pensei que fosse um avião
mas eles juram que não, já viram passar muitos aviões, não iam se enganar.
- Devem ser os amigos de Barbozinha vindos do outro mundo para visitar nosso
poeta. Ele diz que se comunica com todo o espaço, pela telepatia.
- Você brinca com o Barbozinha mas ele é sincero em tudo o que diz. Acredita
piamente nessas coisas – atalha dona Carmosina.
- Um homem tão inteligente – lastima Seixas.
- Para mim, diverte-se Aminthas, o que os pescadores viram foi o reflexo de
alguma lancha de contrabando… essa história de disco é pura tapeação.
- Não – contesta Dário, - Os pescadores não são tolos e por que haviam de querer
me enganar? Estou farto de saber do contrabando e, quando acontece, é à noite.
Alguma coisa eles viram ou ouviram. O quê, não sei, mas bem que podia ser um
disco voador. Ou você não acredita na existência deles? Eu acredito. Não nos
espíritos de Barbozinha mas em seres de outros problemas. Por que só na Terra
há de se encontrar vida e civilização?
A pequena Araci chega correndo:
- Dona Antonieta, sinhá Perpétua mandou chamar vosmicê e a dona moça. Seu
Modesto está lá com dona Aida, para visitar.
- Que pena, a prosa estava gostosa. Vamos, Leonora. Apareçam à noite. Até logo,
Comandante. Carmô, não falte.
Descem o degrau do passeio, lá se vão rua afora. O sol poente ilumina as duas
mulheres, lambe-lhes os corpos e os revela doirados e desnudos, como se a luz
do crepúsculo houvesse dissolvido o vaporoso tecido dos cafetãs, fascinante
moda importada das terras de sonho e fantasia onde nasceu Chalita.
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