Menino rico - menino pobre |
Meninos
ricos
ricos
Meninos
pobres
Eu e
o meu irmão éramos os únicos meninos ricos da minha rua, talvez a última rua do
bairro daquela zona oriental de Lisboa, porque, setenta ou oitenta metros mais à
frente, ela praticamente terminava, estreitando numa íngreme subida por onde só
se ia a pé para o interior do bairro chinês, o mais antigo bairro de lata dos
subúrbios da cidade e o último a desaparecer pelas mãos de João Soares, actual
Ministro da Cultura e à data Presidente da Câmara.
Havia
outro menino, que vivia na casa ao lado da nossa, separada pela ponte de
Caminho de Ferro, e de quem já vos falei, o Mário Martins, que mais tarde viria
a ser Director e Editor musical da Valentim de Carvalho.
Mas
o Mário não conta, por três motivos: era visita diária lá de casa; o pai era o
dono da mercearia onde nos abastecíamos o que, no tempo da guerra e das senhas
de racionamento, dava muito jeito e, finalmente, porque o Mário possuía uma
riqueza oculta, perene, não sujeita ás flutuações do mercado nem às intempéries,
e que fazia dele muito mais rico e que revelo novamente: uma
inteligência pouco comum, uma sensibilidade musical de génio, um extraordinário
e oportuno sentido de humor e uma imensa modéstia.
Mas
do Mário já vos falei no meu Blog do passado dia quatro. Quanto a todos os
outros meninos, eles eram verdadeiramente pobrezinhos.
Brincavam
na rua, que era um pouco mais larga em frente do prédio onde nasci e que já
desapareceu. Chovesse ou fizesse sol, quase todos descalços, mas sem terem que obedecer à disciplina e ordens das "mamãs" e dos "papás", ocupados a trabalhar nas fábricas para que eles à
noite pudessem ter um pouco que comer.
Eu
usava sapatinhos com soquetes castanhos e calças à golf de influencia inglesa e
andava de automóvel, o único lá da rua que o meu pai comprara aos ingleses,
logo no fim da guerra, que mesmo sujeitos a todos os bombardeamentos dos alemães
pelas suas V2, ainda tiveram oportunidade
para fabricarem o Vauxall que iria fazer as minhas delícias de criança.
Ricas
ou pobres, as crianças dessa época, todas elas, se deliciavam com os automóveis.
A
diferença estava apenas no olhar: o dos meninos pobres, esbugalhados de admiração,
o dos meninos ricos, de uma superior felicidade.
A
desigualdade via-se no olhar, mais em criança mas também em crescidos e essa
desigualdade, ali, tão ao pé, feria a minha sensibilidade de criança e fez de
mim um homem moderado mas visceralmente de esquerda como, anos mais tarde, os
Luenas, com quem convivi durante 15 meses na fronteira de Angola com a Rodésia
do Norte, depois Zâmbia, reconheceriam ao alcunharem-me de “Saricoge –
o homem que não faz diferença entre ricos e pobres, negros e brancos”.
Ou
seja, os meus princípios na Rua José do Patrocínio, ao Poço do Bispo, na parte
Oriental de Lisboa, por causa das flagrantes desigualdades com que tive de
conviver na infância, fizeram de mim um indefectível votante do PS de António
Costa, numa Europa que hesita entre reagir ao Sr. Shauble e à Srª Merkel, da Alemanha,
pela esquerda ou sair pela extrema direita da Srª Le Pen em França.
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