Tieta, linda na sua nudez |
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)
EPISÓDIO Nº 28
PRIMEIRO FRAGMENTO DE NARRATIVA, NA QUAL – DURANTE A LONGA
VIAGEM DE ÔNIBUS – LEITO DA CAPITAL DE SÃO PAULO À DA BAÍA – TIETA RECORDA E
CONTA À BELA LEONORA CANTARELLI EPISÓDIOS DA SUA VIDA. AQUI VAI A AMOSTRA:
OUTROS LANCES, MAIS SUBSTANCIAIS, VIRÃO DEPOIS.
- Penso que as cabras não
sentiam o sol, não esse calorzinho daqui ,
o calor daqui , o calorão de lá, o
sol em brasa nas pedras. Nem elas nem eu.
Nas pedras, as cabras imóveis sob o solo; pedras, estátuas, elas também. De
súbito, saltam, disparam a correr, uma, logo outra, todas. Vão descobrir tufos
de capim nos mais altos oiteiros.
- Eu ia atrás, pastoreando. As cabras me conheciam, eu botava nome, apelido em
cada uma. Chamava, elas atendiam. Cuidava delas, quando uma se feria nos
espinhos, eu tratava, punha mastruz nas feridas.
- Que idade você tinha, Mãezinha?
- Acho que dez anos, quando comecei. Dez ou onze, tinha terminado o grupo
escolar.
Preferia o sol cozinhando pedras, a terra árida, os cactos, as serpentes, os
lagartos, o coaxar dos sapos na água do riacho, os calvos cabeços dos morros,
as touceiras de capim, as cabras – enquanto a primogénita cuidava da casa.
- Perpétua nasceu velha, nem sei como conseguiu casar. Mocinha, se meteu na
sacristia da Igreja com as carolas, a mais beata de todas. Para ela eu era o
diabo em pessoa… – ri:
- Tinha razão, eu não era gente. Desde pequena vi o bode
Inácio montando cabras.
Inteiro, sereno, majestoso, o bode Inácio, pai do rebanho, aparece, passo
medido, cavanhaque longo, inhaca forte. De bagos assim de grandes, quase a
tocar a terra, senhor da chibarrada, patriarca dos caprinos.
Lento e inexorável, vem vindo para o lado da cabrita irrequi eta
no primeiro cio, os quartos agitados à aproximação de Inácio, as patas
traseiras escoiceando o ar, na idade de ser coberta e emprenhar. Caminha Inácio
no rastro do aftim da fêmea, o saco balançando. Emite o berro, vibrante e
límpido, anúncio, ameaça, declaração de amor.
- Primeiro eu via, não ligava, era nova demais. Mas depois, quando comecei a
ter as regras, o berro de Inácio entrava por mim adentro. Passei a espiar, me
estendia no chão para ver melhor.
A cabrita dispara, Inácio não se dá ao trabalho de correr, pára e espera; a
menina aprende. Duas ou três escapadas mais e ele monta a indócil quando assim
decide, dono, pai do rebanho.
Deitada no chão, a moleca aprecia, não perde detalhe. De bruços contra a terra
safara, sente um calor subindo pelas pernas até aos gorgomilos, vontade,
moleza.
Inácio era um bodastro, um bodastro e tanto, a chiba se debateu quando
ele a fez cabra e a emprenhou. Um berro final de dor e acolhimento. Ecoando no
ventre da menina. Conjugados cabra e bode na altura sobre as pedras,
petrificados, rocha única, penhasco, Capricórnio.
- Assim eu aprendi. Vi mais que isso, nos meus começos. Mais.
Não só assiste ao bode Inácio montar as cabras. Acontece-lhe ver, escondida nos
oiteiros, moleques se pondo nelas. Osnar e seu bando de perdidos. Homens feitos
também. O próprio pai, imaginando-a ausente.
- Em casa um deus-nos-acuda, austero, moralista por demais, mandando todo o
mundo para a cama nem bem a gente se levantava da mesa do jantar. Em namoro era
proibido se falar.
Namorado de filha minha se chama palmatória e taça de tanger burro; bordão de
marmelo é o nome completo, roncava Zé Esteves. Punha-se nas cabras quando
julgava o pasto vazio. Existiam cabras viciadas.
- Eu era uma cabrita igual a elas. A primeira vez não teve diferença.
- Com que idade, Mãezinha, a primeira vez?
- Sei lá. Treze, catorze, botei sangue cedo.
- Depois?
- Fui cabra viciada, não havia homem que me desse abasto.
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