Tieta do Agreste
(Jorge Amado)
EPISÓDIO 43
Tieta altera os hábitos de Santana
- É verdade, Tieta, o que os jornais dizem? Que a poluição
- Uma coisa medonha. Tem lugares, nas zonas mais afectadas onde as crianças
estão morrendo e os adultos ficando cegos. A gente passa dias e dias sem
enxergar a cor do céu.
- Com tudo isso era lá que eu queria viver, desafia Elisa.
Tímida, Leonora contradiz, a voz mansa:
- Pois eu adoraria viver aqui . Se
pudesse, não saía daqui nunca mais.
Aqui , eu respiro, vivo, sonho. Lá
não, lá se trabalha dia e noite, noite e dia. Trabalha e morre.
Ascânio tem vontade de pedir bis: repita essas palavras, são favos de mel. Ah!
se ao menos ela fosse pobre…
Tão embevecido a contemplá-la, nem toma conhecimento do debate acalorado,
filosófico e empolgante travado entre dona Carmosina, Barbozinha e o Comandante
Dário sobre o objecto não identificado, visto pelos pescadores quando
sobrevoava as dunas de Mangue Seco e o coqueiral sem fim.
Barbozinha se exalta, em explicações exotéricas, enquanto o Comandante se exibe
vasta cultura de ficção científica e dona Carmosina fala em ilusão colectiva,
fenómenos no corriqueiro.
O corte da luz, às nove horas, o badalar do sino da Matriz mandando o povo
ordeiro para a cama, interrompe a discussão, todos se põem de pé, em despedida. Mas Tieta
rompe a tradição:
- Nada disso, não são horas de ninguém dormir. Vamos conversar. Perpétua mande
acender as placas. Onde já se viu dormir a essa hora? Ainda bem que o nosso
jovem perfeito vai trazer a luz de Paulo Afonso. Para acabar com esses horários
de galinheiro. Vamos tomar mais uma cervejinha, um refrigerante. A prosa está
boa…
Rejubila-se Ascânio, prefeito ainda não, apenas provável candidato. Volta a
sentar-se. Mas o Comandante e dona Laura preferem deixar a continuação da
conversa para o dia seguinte e levam dona Carmosina, vão acompanhá-la até casa.
Do bar chegam Aminthas, Osnar, Astério.
- Cuidado, prima, para o lobisomem não lhe pegar – recomenda Aminthas a dona
Carmosina.
- Se assunte, malcriado.
Elisa e Peto acompanham o grupo dos sonolentos, de má vontade. Elisa arvora ar
de vítima, melancólica; Peto pensa em fugir mais tarde em busca de Osnar.
Prometeu levá-lo à caça, não cumpre o prometido.
Tieta convida os dois compadres:
- Entrem, não fiquem aí na porta. Venham tomar um gole de cerveja.
Osnar e Aminthas são notívagos, aceitam. Ricardo acabou de acender e colocar
lampiões de querosene na sala. Perpétua ordena-lhe:
- Cardo vá dormir. Já passou da hora.
- Boa noite para todos, com a graça de Deus. A bênção Mãe.
Perpétua dá-lhe a mão a beijar, o rapaz dobra o joelho em ligeira genuflexão.
- A bênção, tia.
- Venha aqui para eu te abençoar.
Nada de beija-mão. Meu beijo quero no rosto. Dois, um de cada lado.
Agarra com as mãos a cabeça do sobrinho enfarpelado na batina, beija-o nas duas
faces, beijos estalados, deixam a marca do batom.
- Meu padreco!
Também Perpétua se despede:
- Boa noite. Fiquem à vontade. A casa é sua Tieta, Tieta.
Tão gentil, nem parece a mesma, irreconhecível.
- Tieta está domando a fera… - confia Osnar a Aminthas enquanto as irmãs trocam
abraço e beijo, - Você já tinha visto dona Perpétua beijar alguém?
- Perpétua não beija, oscula – rectifica Aminthas.
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