(Domingos Amaral)
Episódio Nº 145
Um popular perguntou se a
podia arrombar, mas quando ia lançar-se contra a porta esta abriu-se
finalmente.
O frenesim amainou e um
nobre, talvez com sessenta anos, com uma cara amargurada, saiu para o alpendre
e perguntou, a medo, o que queriam.
Raimunda exclamou:
- A desavergonhada!
O homem, aflito, levou as
mãos à cabeça:
- Mas porquê, que fez minha filha?
Raimunda ignorou-o e gritou:
~
- Ela que saia depressa, ou
iremos buscá-la!
Nisto, apareceu um vulto no
interior da casa, com um véu na cabeça, e um murmúrio impressionado percorreu a
multidão.
- Segui-me até à Igreja, berrou Raimunda.
Temendo ser fustigada pela
fúria dos populares, ou alvo de cuspo de velhas afoitas e desdenhosas, a mulher
avançou agarrada ao braço do pai.
A custo, abriu-se um espaço
no meio dos locais, que os comiam com os olhos, enquanto Raimunda ordenava:
- Abri alas, gente de Lamego, deixai-nos
passar!
O estranho cortejo avançou
pelas ruas até chegar ao pátio da Igreja, à porta da qual se encontrava uma
segunda mulher, também de véu a cobri-lhe a cabeça.
A seu lado estava seu pai a
guardá-la.
Quando as duas comitivas se
juntaram, Raimunda gritou às duas mulheres:
- Estais preparadas para...?
Suspendeu as palavras de
cara cruel e espada na mão, enquanto o silêncio nascia no pátio. Satisfeita,
Raimunda acrescentou:
- ... Casar?
Soltou-se um grito de
alegria na multidão e ouviram-se exclamações de satisfação. Estava cumprido o
costume antigo que mandava as noivas serem arrancadas à força de suas casas,
numa simulação de um rapt o, e depois
levadas pelas ruas, cercadas pelo povo como se fossem para o cadafalso, antes
de serem entregues aos futuros maridos, à porta da Igreja.
A primeira noiva que
Raimunda fora buscar era a minha Maria Gomes. A segunda era Teresa Celanova.
Nas escadas esperavam os respectivos noivos, meu pai, Egas Moniz, e eu, bem
como o prior de Viseu, Teotónio, que ali se deslocara de Propósito.
Atrás de nós vinham os meus
irmãos, Afonso Henriques, Gonçalo, o meu tio Ermígio Moniz, e também a bela
Chamoa Gomes e seus pais.
A minha cunhada estava
grávida de três meses, como já se notava na dalmática rosa e no busto mais
cheio mas, para aflição de Raimunda, parecia ainda mais bonita.
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