(Domingos Amaral)
Episódio Nº 156
Quando a primavera chegou,
Mem decidiu agir. Abu Zhakaria regressara a Santarém, vindo de Córdova e o
almocreve falou finalmente com ele.
Na primeira vez trocaram
impressões sobre comidas e tecidos, mas Mem insinuara-se, dando a entender que
entrava com facilidade no castelo de Coimbra, o que interessou o atento cordovês.
Certo dia, em finais de
Abril, este perguntara-lhe:
- Quereis ganhar uns maravedis, jovem
almocreve?
Mem rira-se, fingindo-se
surpreendido.
- Tudo o que vier é bem-vindo!
Abu Zhakaria perguntara se
os cristãos alguma vez o haviam prendido e Mem negara tal coisa, alegando que
subia pelo Condado até ao Porto sem ser importunado a não ser pelos
salteadores.
Se vos pagar fazeis um
serviço em Coimbra? – perguntou Zhakaria.
Nessa conversa, o cordovês
fora vago. Contudo, da vez seguinte perguntara-lhe se achava possível retirar
da povoação três prisioneiros.
Espantado, Mem duvidara de
tal ousadia, mesmo quando Abu Zhakaria afirmou:
Podeis esconder gente entre os barris e as
sacas.
Mem olhara para a sua
carroça e concordara, embora tenha prevenido que os soldados vigiavam as portas
da cidade, à entrada e à saída, obrigando-o por vezes a mostrar a mercadoria.
E à noite é possível deixar
a cidade sem os soldados verem? – perguntara Abu Zhakaria.
Mem esclarecera-o. Para sul
teriam de atravessar o Mondego, e as barcaças só transportavam carroças e
pessoas durante o dia. Mas acrescentara, o mais custoso seria ir buscar os
prisioneiros ao castelo.
Se estão nas masmorras,
nunca lá chegarei sozinho!
Quando voltaram a conversar
Abu Zhakaria dissera que as prisioneiras não estavam nas masmorras, antes numa
casa junto à torre do castelo. Havia sentinelas a guardá-las, mas à noite era
possível anulá-las.
Cheio de dúvidas, Mem
franzira a testa.
Fui várias vezes a alcáçova
e nunca lá vi prisioneiras. Há soldados mas... de quem falais?
Entre eles gerara-se uma
certa cumplicidade, e já em Junho Abu
Zhakaria revelou finalmente que desejava resgatar as três
mouras.
- A Zulmira e as filhas? –
espantou-se Mem.
Contou a Abu que já lhes
vendera tecidos, embora nada tenha referido sobre os seus fortes sentimentos
por Zulmira e Zaida.
Apenas revelou que estavam
presas porque um homem as tentara matar! Abu Zhakaria semicerrou os olhos.
- Quem?
Mem ouvira dizer que se
tratava de um guerreiro feroz, um fedayn enviado pelo califa Ali Yusuf.
Ao que sabia as mouras eram
filhas de um antigo governador de Córdova, e por alguma razão desconhecida o
califa queria matá-las.
Abu Zhakaria olhou-o
demoradamente.
- Somos amigos? – perguntou?
O almocreve confirmou e o
cordovês narrou a história de Taxfin e de Zulmira, os dois cercos do califa a
Coimbra, a prisão das mouras pelos cristãos, a maldade de Ali Yusuf, obrigando
Taxfin a ir-se embora sem elas e a combater a seu lado muitos anos, e por fim o
regresso de Taxfin a Córdova ferido e incapaz.
Fora lá que se prepara a
expedição do resgate, e por isso Abu Zhakaria estava em Santarém.
O cordovês confirmou
igualmente a terrível ordem do califa de matar toda a família de Zulmira, já
cumprida em parte.
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