sábado, janeiro 16, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

Episódio Nº 156



















Quando a primavera chegou, Mem decidiu agir. Abu Zhakaria regressara a Santarém, vindo de Córdova e o almocreve falou finalmente com ele.

Na primeira vez trocaram impressões sobre comidas e tecidos, mas Mem insinuara-se, dando a entender que entrava com facilidade no castelo de Coimbra, o que interessou o atento cordovês.

Certo dia, em finais de Abril, este perguntara-lhe:

 - Quereis ganhar uns maravedis, jovem almocreve?

Mem rira-se, fingindo-se surpreendido.

- Tudo o que vier é bem-vindo!

Abu Zhakaria perguntara se os cristãos alguma vez o haviam prendido e Mem negara tal coisa, alegando que subia pelo Condado até ao Porto sem ser importunado a não ser pelos salteadores.

Se vos pagar fazeis um serviço em Coimbra? – perguntou Zhakaria.

Nessa conversa, o cordovês fora vago. Contudo, da vez seguinte perguntara-lhe se achava possível retirar da povoação três prisioneiros.

Espantado, Mem duvidara de tal ousadia, mesmo quando Abu Zhakaria afirmou:

 Podeis esconder gente entre os barris e as sacas.

Mem olhara para a sua carroça e concordara, embora tenha prevenido que os soldados vigiavam as portas da cidade, à entrada e à saída, obrigando-o por vezes a mostrar a mercadoria.

E à noite é possível deixar a cidade sem os soldados verem? – perguntara Abu Zhakaria.

Mem esclarecera-o. Para sul teriam de atravessar o Mondego, e as barcaças só transportavam carroças e pessoas durante o dia. Mas acrescentara, o mais custoso seria ir buscar os prisioneiros ao castelo.

Se estão nas masmorras, nunca lá chegarei sozinho!

Quando voltaram a conversar Abu Zhakaria dissera que as prisioneiras não estavam nas masmorras, antes numa casa junto à torre do castelo. Havia sentinelas a guardá-las, mas à noite era possível anulá-las.

Cheio de dúvidas, Mem franzira a testa.

Fui várias vezes a alcáçova e nunca lá vi prisioneiras. Há soldados mas... de quem falais?

Entre eles gerara-se uma certa cumplicidade, e já em Junho Abu Zhakaria revelou finalmente que desejava resgatar as três mouras.

- A Zulmira e as filhas? – espantou-se Mem.

Contou a Abu que já lhes vendera tecidos, embora nada tenha referido sobre os seus fortes sentimentos por Zulmira e Zaida.

Apenas revelou que estavam presas porque um homem as tentara matar! Abu Zhakaria semicerrou os olhos.

- Quem?

Mem ouvira dizer que se tratava de um guerreiro feroz, um  fedayn enviado pelo califa Ali Yusuf.

Ao que sabia as mouras eram filhas de um antigo governador de Córdova, e por alguma razão desconhecida o califa queria matá-las.

Abu Zhakaria olhou-o demoradamente.

- Somos amigos? – perguntou?

O almocreve confirmou e o cordovês narrou a história de Taxfin e de Zulmira, os dois cercos do califa a Coimbra, a prisão das mouras pelos cristãos, a maldade de Ali Yusuf, obrigando Taxfin a ir-se embora sem elas e a combater a seu lado muitos anos, e por fim o regresso de Taxfin a Córdova ferido e incapaz.

Fora lá que se prepara a expedição do resgate, e por isso Abu Zhakaria estava em Santarém.

O cordovês confirmou igualmente a terrível ordem do califa de matar toda a família de Zulmira, já cumprida em parte.


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