(Domingos Amaral)
Episódio Nº 155
Santarém, Junho de 1127
Aquele fora um inverno longo
de mais, chuvoso de mais, destrutivo de mais.
Por todo o Condado viam-se
ainda mais mendigos pelas estradas, rumando às cidade de Coimbra e Viseu.
Perante a penúria, os
lavradores queixavam-se, os pescadores queixavam-se e Mem também se queixava,
nas suas permanentes viagens pelo Condado Portucalense e pelas terras árabes,
mais a sul.
Além disso, andava
sorumbático pois ao longo de nove meses só por uma vez só por uma vez vira as
suas amigas mouras.
Fora numa tarde de Março,
Mem entrara na cozinha do castelo de Coimbra para entregar uma encomenda, e
dera de caras com elas, sentadas numa mesa, à espera do pão que cozia no forno.
Zulmira corara e Zaida
rira-se, mas nenhuma o abraçara com receio de que qualquer intimidade fosse
reportada a Dona Teresa como suspeita.
- Ó belo Mem, sede bem
vindo! Saudara a anafada padeira. Ao lado desta uma rapariguita perguntara se
ele ficaria essa noite no barracão onde se instalava.
O almocreve negara e ela
parecera desapontada, enquanto Zulmira franzia a testa e a padeira comentara,
dirigindo-se à criadita:
- Vê lá se ainda ficas prenhe, e depois
guinchas como a rainha!
A jovem serviçal ripostara
que Dona Teresa não gritara de dor, mas sim de raiva por ter dado à luz
Sanchinha de Trava e não um varão!
Ficou tão zangada que
expulsou a parteira de Coimbra!
Quando finalmente as águas
haviam rebentado, a criadita ouvira Dona Teresa urrar «é menino? é varão?», de
pernas abertas bufando e fazendo força para expulsar a criatura mais depressa,
tal era a urgência de lhe conhecer o sexo.
A berraria transformara-se
em espasmos de desagrado quando a mãe percebeu que lhe nascera uma rapariga!
O Trava insultava as
criadas, culpando-as, e Dona Teresa recusara-se a pegar na recem-nascida, tal a
sua frustração.
- Ainda assim, só berra! –
afirmara a rapariga.
A padeira deitara-lhe um
olhar crítico e exclamara:
- E vós quereis berrar também daqui a nove meses!
Zulmira fulminara Mem com o
olhar, mas este abanara a cabeça, negando que alguma vez estivesse estado, ou
fosse estar, com a rapariguita.
Infelizmente nesse momento
um soldado entrou na cozinha e ordenou às mouras que o acompanhassem. De cabeça
baixa, Zulmira e Zaida, haviam-se limitado a acenar um adeus a Mem.
Depois disso, o almocreve
não as voltara a ver, e quase todas as noites recordava com emoção, o intenso
momento que vivera nos banhos de Coimbra.
Embora se entretivesse com
outras mulheres, (obviamente tinha estado com a criadita) acabava sempre a
pensar em Zulmira e na Zaida, e foi-se convencendo que se encantara pela
primeira vez na vida, e logo por duas mulheres ao mesmo tempo.
No passado aquele sortudo
folgara com solteiras ou casadas, moçárabes ou cristãs, novas ou velhas, mas
quando as deixava não sentia admiração por nenhuma.
Desta vez, era diferente,
sentia-se muito saudoso. Com o passar dos meses, Mem desenvolveu uma forte
raiva contra Dona Teresa e Ramiro, que considerava responsáveis pela prisão das
mouras.
A injustiça da situação
torturava-o e começou a desejar que algo acontecesse.
Foi assim que ele justificou
o que fez depois. Não o absolvo mas consigo compreendê-lo.
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