quarta-feira, janeiro 20, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

 Episódio Nº 158


















Soure, Julho de 1127


O velho cavaleiro Gondomar, apesar das suas maleitas oculares permanentes, sentia-se orgulhoso da Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo, que liderava em Soure.

Com a ajuda de muitos mendigos a quem haviam dado trabalho, o castelo estava finalmente reconstruido!

Onze anos depois da primeira invasão de Ali Yusuf, as muralhas estavam reedificadas, a torre renascera e a pequena alcáçova encontrava-se habitável.

Embora se sentisse cansado e adoentado, o cavaleiro do manto branco cumprira a sua primeira missão no Condado Portucalense, fortificando o seu flanco sul.

No entanto, Gondomar, falhara na sua segunda missão. Não encontrara a relíquia que o conde Henrique trouxera anos antes da Terra Santa, e continuava sem saber quem havia acompanhado o pai de Afonso Henriques numa surtida a Soure.

Teria sido Paio Soares? Gondomar não tinha novas provas para o expor. E quem era o terceiro homem, que se suspeitava ser um religioso?

Gonçalo Pais, bispo de Coimbra, quando confrontado com tais perguntas, referira que o cabido da Sé mudara bastante desde esse longínquo ano, havia muitos mais novos cónegos, padres e priores.

Então, Gondomar escrevera a Hugo de Payins, o Grão-Mestre da Ordem, a reportar os seus curtos avanços, e recebera de volta instruções para se dirigir a Cister, ao encontro de Bernardo de Claraval, deixando em Soure alguém a substituí-lo.

O candidato mais óbvio era Ramiro, embora tivesse contra si o facto de ser um bastardo e não um rico-homem. Ao longo daquele ano, alguns cavaleiros-vilões tinham-se juntado a eles e o grupo já não se limitava aos originais, o Rato, o Velho, o Ameixa, Peida Gorda e o Santinho, recuperado das suas mazelas.

Havia pelo menos mais cinco cavaleiros nas suas fileiras, e Soure dispunha agora de uma guarnição que contava também com cinco escudeiros e quase vinte peões, a juntar a duas dezenas de lavradores e suas famílias, que se tinham estabelecido à volta das muralhas.

Antes de chamar Ramiro, Gondomar ouviu o novo pároco de Soure, que fora nomeado pelo bispo de Coimbra. De seu nome Martinho Árias, deveria ter uns quarenta anos, e era cónego há mais de duas décadas no cabido da Sé. Foi ele quem me contou a conversa que tiveram e o que aconteceu de seguida.

- Sim, pode ser Ramiro – declarou Martinho que parecia zangado.

Gondomar quis conhecer os motivos do seu desagrado. O padre colocou as mãos atrás das costas e começou a passear na pequena salinha da torre do castelo de Soure.

 - Esta gente é rude e abrutalhada – disse

O velho cavaleiro sempre enrolado no seu manto branco, pediu compreensão para os membros da Ordem: eram bons trabalhadores, haviam reconstruido o castelo! E eram corajosos, tinham lutado bravamente contra os sarracenos, no ano anterior!

Martinho Árias, em passadas curtas, ia até a parede do fundo e depois dava meia-volta e regressava até chegar à parede oposta. Aí dava nova meia volta e recomeçava o caminho inverso.

- Pois, mas... onde vão continuar a dormir.

A prioridade tinha sido reconstruir a torre e a muralha, e durante o inverno os cavaleiros, escudeiros e peões tinham ficado em pequenas casotas de madeira, erguidas á pressa.


As primeiras casas de pedra, do lado de fora da muralha, eram dos lavradores.

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