Baixa o penhoir, exibe as costas nuas.... |
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)
EPISÓDIO Nº 59
DA MASSAGEM COM ORAÇÃO
Ricardo mergulha, foge nas águas do rio. Mergulha nas folhas do livro,
na hora da banca, após o passeio, o bate-bola, a pesca, o banho antes do
almoço, diariamente.
De volta do banheiro, pingando água, a tia senta-se diante
do espelho, afrouxa o penhoar, toma dos tubos de creme, dos potes, dos frascos.
O perfume flutua, estende-se, invade as narinas do rapaz.
Do sobrinho mais velho, atencioso e recatado. Sempre às ordens da tia e
da prima – não esqueça que Leonora é sua prima, recorda-lhe Perpétua – mas não
a segui-las, brechando contornos e profundezas, o olho vicioso como o menor. Ao
contrário a afastar a vista, a desviá-la para o outro lado quando um seio
aflora ou uma sombra se ilumina sob robes e shortes.
Mergulha nos livros, foge nos teoremas de álgebra, abstractos.
Necessita manter-se atento, não se deixar distrair, os olhos rumam para o
quarto onde a tia, porta aberta e nenhum cuidado, se embeleza.
Cometerá pecado
mortal, com certeza absoluta se espiar a tia. Mas quando acontece ver por
acaso, sem querer? Por mais que faça, impossível não enxergar tão expostos atributos.
Pior que ver é pensar. Não olhara quando Peto chamara a tenção para os
pelos da tia, atirou-se ao rio. Mas, mesmo dentro de água, nadando sem espiar,
ele os imaginara. De olhos fechados ou abertos, queira ou não, pensa, imagina.
A gente imagina sem querer, mesmo não querendo, é a maneira de Deus
provar a fé, o zelo dos eleitos. É preciso controlar-se; vencer os maus
pensamentos.
E os sonhos? Os sonhos, a gente não controla. Cosme, um asceta, o
pusera em guarda contra os sonhos, neles o demónio tenta os homens, nem os
anacoretas escaparam.
Dormindo, a gente pode pecar e se condenar. Cosme,
aconselha espalhar grãos de milho ou de feijão sobre o lençol, deitar em cima,
castigando a carne. Na rede, impossível.
Da rede, no escuro, ouve e percebe a tia na toalete nocturna, retirando
a maqui agem. Fechar a porta não
resolve, ao contrário.
De porta aberta fica reduzido a pequenos ruídos de potes
e frascos, a limitadas amostras, vislumbres de carnação surgindo do robe. Mas
para a imaginação não há limites, quando fecha a porta o robe se abre inteiro e
é tão curta a camisola! Só as orações desviam a vista e o pensamento.
De qualquer maneira, de noite ou de dia, é árduo o combate com o
demónio, só a ajuda de Deus permite a vitória. Na banca, antes do almoço, tenta
absorver-se no estudo da matemática ou da história, enquanto, no quarto em
frente, a tia se pinta e se perfuma.
Os teoremas de álgebra, os navegadores
portugueses. Impossível concentrar-se, o perfume acalentou o seu sono no
seminário, aqui o entontece.
- Cardo!
- Diga, tia.
- Estás ocupado?
- Estou estudando, é hora da banca. Mas, se qui ser
alguma coisa…
- Quero sim. Venha cá.
Ricardo deixa o livro, entra no quarto.
- Passe creme nos meus ombros, faça uma massagem. Abra a mão. – Espreme
a bisnaga, põe-lhe no côncavo da mão o creme oloroso. – Vá, espalhe primeiro,
depois amasse com a mão e os dedos.
Baixa o penhoar, exibe as espáduas nuas; com a mão fecha-o sobre os
seios, fica composta, ainda bem. Curva-se para facilitar a tarefa do sobrinho.
Ricardo espalha o creme e começa, desajeitado, a esfregar-lhe os ombros.
- Nas costas, filho.
Esse não tem malícia, se fosse o pequeno estaria tentando ver a curva
do busto sob as rendas. O rapaz sente o cheiro doce do creme, a maciez da pele.
Não pode entupir o nariz nem retirar as mãos. Sente sem querer sentir. O
demónio o possui pelos dedos e pelas ventas.
Que fazer Senhor? Orar, pois a
oração é a arma que Deus entregou aos homens para vencer as tentações, derrotar
o inimigo. Padre-Nosso que estais no céu…
- Força, meu bem.
Curva-se ainda mais Antonieta, a mão já não prende o robe. Ricardo
desvia a mirada pois o seio, solto, surge inteiro, moreno, volumoso. Onde parou
na oração? Não nos deixeis cair na tentação…
- Chega, meu filho, muito obrigado.
Ao agradecer volta-se com um sorriso, surpreende o sobrinho a mover os
lábios.
- Que é que você está fazendo? Rezando?
Espoca em riso, Ricardo encabula, vermelho, escabreado.
- Tem medo de mim? Não sou diabo, não.
- Oh!, tia.
- Nem fazer massagem no cangote da tia é pecado.
- Não pensei nada disso. Tenho o costume de rezar enquanto faço algum
trabalho manual – mente ainda por cima.
- Então me dê um beijo e vá estudar.
Beijo do pequeno não seria esse distante roçar de lábios na face. Peto
é um perigo. Aos doze anos nem Tieta possuía igual.
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