sexta-feira, janeiro 22, 2016

Baixa o penhoir, exibe as costas nuas....
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)

EPISÓDIO Nº 59
















DA MASSAGEM COM ORAÇÃO

Ricardo mergulha, foge nas águas do rio. Mergulha nas folhas do livro, na hora da banca, após o passeio, o bate-bola, a pesca, o banho antes do almoço, diariamente.

De volta do banheiro, pingando água, a tia senta-se diante do espelho, afrouxa o penhoar, toma dos tubos de creme, dos potes, dos frascos. O perfume flutua, estende-se, invade as narinas do rapaz.

Do sobrinho mais velho, atencioso e recatado. Sempre às ordens da tia e da prima – não esqueça que Leonora é sua prima, recorda-lhe Perpétua – mas não a segui-las, brechando contornos e profundezas, o olho vicioso como o menor. Ao contrário a afastar a vista, a desviá-la para o outro lado quando um seio aflora ou uma sombra se ilumina sob robes e shortes.

Mergulha nos livros, foge nos teoremas de álgebra, abstractos. Necessita manter-se atento, não se deixar distrair, os olhos rumam para o quarto onde a tia, porta aberta e nenhum cuidado, se embeleza.

Cometerá pecado mortal, com certeza absoluta se espiar a tia. Mas quando acontece ver por acaso, sem querer? Por mais que faça, impossível não enxergar tão expostos atributos.

Pior que ver é pensar. Não olhara quando Peto chamara a tenção para os pelos da tia, atirou-se ao rio. Mas, mesmo dentro de água, nadando sem espiar, ele os imaginara. De olhos fechados ou abertos, queira ou não, pensa, imagina.

A gente imagina sem querer, mesmo não querendo, é a maneira de Deus provar a fé, o zelo dos eleitos. É preciso controlar-se; vencer os maus pensamentos.

E os sonhos? Os sonhos, a gente não controla. Cosme, um asceta, o pusera em guarda contra os sonhos, neles o demónio tenta os homens, nem os anacoretas escaparam.

Dormindo, a gente pode pecar e se condenar. Cosme, aconselha espalhar grãos de milho ou de feijão sobre o lençol, deitar em cima, castigando a carne. Na rede, impossível.

Da rede, no escuro, ouve e percebe a tia na toalete nocturna, retirando a maquiagem. Fechar a porta não resolve, ao contrário.

De porta aberta fica reduzido a pequenos ruídos de potes e frascos, a limitadas amostras, vislumbres de carnação surgindo do robe. Mas para a imaginação não há limites, quando fecha a porta o robe se abre inteiro e é tão curta a camisola! Só as orações desviam a vista e o pensamento.

De qualquer maneira, de noite ou de dia, é árduo o combate com o demónio, só a ajuda de Deus permite a vitória. Na banca, antes do almoço, tenta absorver-se no estudo da matemática ou da história, enquanto, no quarto em frente, a tia se pinta e se perfuma.

Os teoremas de álgebra, os navegadores portugueses. Impossível concentrar-se, o perfume acalentou o seu sono no seminário, aqui o entontece.

- Cardo!

- Diga, tia.

- Estás ocupado?

- Estou estudando, é hora da banca. Mas, se quiser alguma coisa…

- Quero sim. Venha cá.

Ricardo deixa o livro, entra no quarto.

- Passe creme nos meus ombros, faça uma massagem. Abra a mão. – Espreme a bisnaga, põe-lhe no côncavo da mão o creme oloroso. – Vá, espalhe primeiro, depois amasse com a mão e os dedos.

Baixa o penhoar, exibe as espáduas nuas; com a mão fecha-o sobre os seios, fica composta, ainda bem. Curva-se para facilitar a tarefa do sobrinho. Ricardo espalha o creme e começa, desajeitado, a esfregar-lhe os ombros.

- Nas costas, filho.

Esse não tem malícia, se fosse o pequeno estaria tentando ver a curva do busto sob as rendas. O rapaz sente o cheiro doce do creme, a maciez da pele.

Não pode entupir o nariz nem retirar as mãos. Sente sem querer sentir. O demónio o possui pelos dedos e pelas ventas. 

Que fazer Senhor? Orar, pois a oração é a arma que Deus entregou aos homens para vencer as tentações, derrotar o inimigo. Padre-Nosso que estais no céu…

- Força, meu bem.

Curva-se ainda mais Antonieta, a mão já não prende o robe. Ricardo desvia a mirada pois o seio, solto, surge inteiro, moreno, volumoso. Onde parou na oração? Não nos deixeis cair na tentação…

- Chega, meu filho, muito obrigado.

Ao agradecer volta-se com um sorriso, surpreende o sobrinho a mover os lábios.

- Que é que você está fazendo? Rezando?

Espoca em riso, Ricardo encabula, vermelho, escabreado.

- Tem medo de mim? Não sou diabo, não.

- Oh!, tia.

- Nem fazer massagem no cangote da tia é pecado.

- Não pensei nada disso. Tenho o costume de rezar enquanto faço algum trabalho manual – mente ainda por cima.

- Então me dê um beijo e vá estudar.

Beijo do pequeno não seria esse distante roçar de lábios na face. Peto é um perigo. Aos doze anos nem Tieta possuía igual.


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