quarta-feira, fevereiro 03, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

Episódio Nº 180





















Então, o filho de Paio Soares ordenou ao Ameixa e ao santinho que fossem pela direita, e ao Rato e ao Peida Gorda que seguissem pela esquerda, enquanto ele e o Velho avançavam, cercando as mulheres.

Zaida escondeu-se atrás da mãe, mas Fátima não o fez. À frente delas a mulher de negro levou a mão a uma pequena bolsa que trazia a tiracolo, e o Velho murmurou:

 - Cuidado...

Ramiro gritou à bruxa:

 - Tirai a mão do saco ou trespasso-vos com uma flecha!

O Rato e o Peida Gorda estavam já muito perto das mulheres, à esquerda de Ramiro mas o Ameixa e o Santinho tinham sido obrigados a contornarem um molhe de penedos, e por isso o filho de Paio Soares sabia que elas ainda podiam escapar-se por esse lado.

Queria capturá-las vivas para descobrir as razões que levavam a bruxa a auxiliar Zulmira e as filhas. De repente, o tempo acelarou quando ouviu o Ameixa gritar:

 . Sarracenos!

O Santinho, um pouco mais longe, também gritava mas de dor, e Ramiro desviou por instantes o olhar da mulher, procurando ver o que se passava atrás dos penedos.

Então, a bruxa retirou a mão da bolsa e uma enorme bola de fogo surgiu, incandescente, entre Ramiro e as mulheres.


Soure, Julho de 1127


Mem contou-me que, uma hora antes desta refrega, a bruxa tinha regressado afogueada, à caverna.

Temos de partir já, os cristãos por perto. E não são só eles, há muito perigo! – gritara.

Cheia de expectativa no coração, Fátima perguntara-lhe:

 - Onde está Zhakaria?

A mulher, sempre de capuz a tapar-lhe a cara dissera:

- Já chegou à Atalaia, vamos ter com ele!

Mem agarrara o arco e as flechas e colocara a comida que restara no saco, enquanto as mulheres se compunham.

Tinha sido uma noite encantada, dormira abraçado a Zulmira e a Zaida, que o haviam coberto de beijos ao acordar, e mais teriam feito se Fátima não tivesse despertado mal disposta, queixando-se de dores de cabeça, culpando o haxixe e inquirindo porque não voltava a bruxa.

Era evidente que não aprovava aquelas liberalidades, mas queria sobretudo ir ao encontro do seu amado. Insatisfeita passara as horas seguintes a embirrar com a mãe e a irmã, e só descansara quando a mulher de negro reaparecera pelo túnel.

Para surpresa de todos, a bruxa ordenara ao almocreve que se despedisse das mouras.

Porque é que o Mem não vem? – perguntara Zulmira, aflita.

A bruxa explicara-se:

 - Se quereis continuar almocreve, os cristãos não vos podem ver connosco. Voltai para a carroça. Encontramo-os em Santarém.

Mem aceitara aquela lógica fria mas lúcida. Zulmira abraçara-o comovida, e Zaida deu-lhe um beijo na cara, dizendo:

 - A minha promessa é para cumprir.

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