Dona Antonieta Esteves Cantarelli.... |
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)
Apoiava-se nas
escrituras, no Velho Testamento.
Eis que de repente, conforme constataram os habituês no Areópago,
começavam a suceder coisas em Agreste, arrancando o burgo da pasmaceira
habitual, provocando agitados comentários, suscitando discussões.
Os fios eléctricos, suspensos sobre postos colossais, caminhavam pelo
sertão no rumo do município e, em obediência às ordens superiores, o faziam com
rapidez anormal em obras públicas.
De quando em quando, um jip com engenheiros
e técnicos desembocava nas ruas tranqui las,
o bar de seu Manuel ganhava animação.
O engenheiro-chefe garantia que dentro de
mês e meio, dois meses no máximo, os fios chegariam à cidade, trabalho
concluído, podendo-se marcar a data para a festa da inauguração.
Em se tratando
de município de tanto prestígio federal, talvez comparecessem figuras da alta
direcção da Companhia do Vale de São Francisco, quem sabe até o
director-presidente vindo especialmente de Brasília.
Já não duvidava de nada o engenheiro-chefe depois que o informaram ter
sido uma viúva em férias na terra natal que obtivera, por intermédio de amigos
do finado, em vida milionário e influente, as ordens preferenciais mandando
reformar o projecto para que nele coubesse, com prioridade absoluta, o
município de Sant’Ana do Agreste.
Difícil de acreditar mas sendo a afirmação
unânime, o engenheiro terminara demonstrando interesse em conhecer e saudar a
ilustre dama capaz de modificar projectos aprovados, removendo postes,
determinando rotas para luz e força.
Pessoas dada e simples, conforme lhe informou Aminthas. Nem por ser
riquíssima viúva de comendador do Papa e frequentar a alta sociedade do sul,
possuindo as melhores relações – das quais a prova mais concreta era o falado
engenheiro estar ali no bar do lusitano, bebericando cerveja – nem por tudo
isso carrega o rei na barriga.
Com dois telegramas resolvera o assunto, dera
uma bofetada no director cheio de si que tratara o representante da cidade,
Ascânio Trindade, secretário da prefeitura, como se ele fosse um joão-ninguém e
Agreste não passasse de terra esquecida por Deus.
Sem levar em consideração as
credenciais de Ascânio, o facto do moço encontrar-se em Paulo Afonso em
defesa de interesses legítimos de sua terra, o director-presidente deixara-o
mofar à espera antes de despachá-lo com redonda negativa, recusando-se a ouvir
os seus argumentos.
Agreste, para ele, não passava de árido pasto de cabras e
assim o disse. Indignou-se dona Antonieta ao saber do acontecido, telegrafou.
Foi tiro e queda.
Aminthas enfeitara a história ao contá-la ao engenheiro-chefe,
rindo-lhe nas fuças:
- Dona Antonieta Esteves Cantarelli é o nome dela. Naturalmente o amigo
já ouviu falar no Comendador Cantarelli, grande industrial paulista. Empacotou
recentemente.
O engenheiro, vencido, escondeu o desconhecimento: o nome lhe soava,
disse, com o mesmo acento dos Mattarazzo, dos Crespi, dos Filizzola.
Ergueu o
copo da cerveja, em respeitoso brinde à senhora Cantarelli. Não só Aminthas o
acompanhou, todos os presentes associaram-se à homenagem.
O povo, agradecido,
ainda no espanto da dádiva inesperada, ao referir-se à nova iluminação não a
designava Luz de Paulo Afonso, Luz da Hidrelétrica ou Luz da Companhia Vale São
Francisco, como seria justo e correcto e em toda a parte se dizia.
Para a gente
de Agreste era a Luz de Tieta.
Quando, na quarta-feira seguinte aos festivos acontecimentos de
domingo, Tieta viera a Mangue Seco para assinar no cartório a escritura dos
terrenos, fora surpreendida com uma faixa colocada na praça da Matriz, entre
dois carunchosos postes de iluminação antiga, nas proximidades da casa de Perpétua.
O povo de Agreste saúda agradecido dona Antonieta Esteves Cantarelli. Apenas um
senão: a palavra Esteves havia sido acrescentada, por exigência de Perpétua e
Zé Esteves, depois da faixa concluída.
Colocaram-na entre os outros nomes mas
acima deles, defeito pequeno, não empanava o efeito impressionante das letras
vermelhas sobre o fundo branco do madrasto.
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