terça-feira, fevereiro 23, 2016

O que quiserem, com prazer.
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)








Vou acreditar em tudo o que você me disser, paixão, se me arranjar alguma coisa para beber… - a voz do ser fêmea desmaia em promessas.



- O que quiserem, com prazer. Vamos até ao bar.

Da mesa, Osnar constata:

- Estão vindo para cá Almirante. Me segure pois sou capaz de perder o juízo e agarrar essa visão aqui mesmo. Sempre tive vontade de comer uma marciana na falta de uma polaca, pois igual a uma polaca não existe em nenhum planeta. 

– A célebre história da polaca de Osnar.

O grupo aproxima-se, boas tardes de lado a lado, tomam mesa. Manuel atende, solícito, enquanto Osnar não desgruda os olhos do ser fêmea que, à falta de água de coco – não pode faltar coco mole no bar, anota Ascânio – aceita guaraná.

- Para mim whisky on the rocks… pede o ser provavelmente macho.

- Scotch, naturalmente… Quero dizer, escocês.

- Só tenho nacional mas é do legítimo – orgulha-se seu Manuel.

Não, por favor não! Traga-me então, uma mineral sem gás. Bem gelada.

A água daqui é melhor do que qualquer mineral, já foi examinada na Bahia e aprovada com os maiores elogios – esclarece Ascânio.

- Desde que gelada…

Seu Manuel serve o guaraná com canudinho, um requinte, e o copo com, água e gelo. O marciano aprova: realmente muito boa água, dê-me um pouco mais, por favor, e diga quanto devo.

A um sinal de Ascânio, seu Manuel curva-se:

- Não é nada… Foi um prazer…

- Muito obrigado… Aceito por esta vez mas de futuro… É o único bar da terra?

- Bem, no Beco da Amargura tem uma espécie de boteco, do negro Caloca. Mas em qualquer armazém se pode vender um trago de cachaça.

- Precisa melhorar o sortimento, my friend… Boas marcas de whisky, bons vinhos… E hotel frère – frère era Ascânio, caíra-lhe na simpatia – tem algum bom? Com banho privativo?

- Hotel propriamente não. Mas tem uma pensão muito boa, a de dona Amorzinho, comida de primeira, quartos limpos. Não tem banho privativo. Mas o torneirão do banheiro vale uma ducha.

Vai ser preciso construir logo um bom hotel… - Falou o ser macho e o dizia como se construir ali, em Agreste, um hotel de primeira, fosse a coisa mais simples do mundo. Exactamente a partir dessa informação – dessa decisão do super-herói – Ascânio Trindade começou a divagar.

- O pior é a estrada – constatou o ser fêmea, miando – esse último pedaço, então… Nunca levei tanto tranco nem engoli tanta poeira… - afofa os cabelos poeirentos, ruivos com aquela mecha platinada. – Chego em Salvador, vou direita ao salão de Severiano lavar os cabelos e pentear….

- É só alargar e asfaltar, darling. Quantos quilómetros frère?

- Daqui à Bahia, à capital?

- Não só o último trecho, o carroçável.

- Quarenta e oito quilómetros…

- Amorzinho, não minta! – rogou Miss Vénus a Ascânio. – Tem mais de cem… Estou descadeirada. – Levou a mão bunda espacial.

- Ai! – gemeu Osnar, mas se alguém ouviu não demonstrou.

- Deve ser isso mesmo, uns cinquenta quilómetros. Num instante se asfalta.

Hotel, estrada asfaltada, o sonho prossegue, o coração de Ascânio se dilata.

- Me diga uma coisa, frère: uma lancha para descer o rio até à praia de…Como é mesmo o nome?

- Mangue Seco…

- C’est ça… É fácil alugar uma?

- Bem… Tem a lancha de Elieser. Não é de aluguel mas eu falo com ele, peço para levá-los. É um bom sujeito. 

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