(Domingos Amaral)
Episódio Nº 203
Coimbra, Maio de 1128
Todos sabíamos que Paio
Soares não amava o filho bastardo. Ramiro amigara-se com Chamoa meses antes, e
o pai não tinha confiança nele para lhe revelar algo de tão essencial e
grandioso. Por isso, é compreensível que não lhe tenha falado na relíqui a.
Porém, chegou a
confessar-lhe as suas tentações políticas. Hoje, acredito que, se os
portucalenses se tivessem empenhado em atraí-lo, ele teria mudado de lado.
Paio Soares estava pronto a
trair o Trava. Só o risco de perder Chamoa o paralisava.
Na cidade de Coimbra,
reinava grande azáfama nos primeiros dias de Maio, e quase dois mil homens
preparavam-se para os combates, pois a partida para Guimarães estava para
breve.
Ramiro dirigiu-se ao castelo
para falar com o pai, já assaltado pelo mau - estar que se sempre o vitimava nestas ocasiões.
Por sua sorte, Chamoa fora
mãe pela segunda vez, semanas antes, e permanecera em Tui. Mas quando Paio
Soares surgiu no pátio, sempre vaidoso, envolto num dos seus belos balandraus,
as pernas ainda lhe tremeram.
- O que vos traz por cá? – perguntou-lhe
o pai.
Ramiro descreveu as últimas
palavras do falecido Gondomar, e Paio Soares fingiu-se surpreendido.
- Que história é essa?
Ramiro pressentiu
perfeitamente que o pai estava a faltar à verdade, e contou que fora o pároco
de Soure, o cónego Martinho, que sugerira aquela iniciativa. Paio Soares
enervou-se:
- Ramiro, o Condado Portucalense está em
guerra! É isso que me preocupa, não uma historieta tola que passou há tantos
anos!
As rebeliões espalhavam-se, o Minho revoltara-se
e o mordomo-mor confessou:
- Nunca esperei que a raiva ao Trava fosse
tanta. Só temos dois ou três nobres portucalenses connosco, os outros estão com
o príncipe!
Ramiro comentou em voz
baixa:
- Dona Teresa não governa bem, faz tudo o que
o Trava manda. Há fome em muitas cidades, o povo não gosta dela.
A constatação daquela
verdade encheu de desânimo Paio Soares, que murmurou:
_ A Chamoa bem queria que eu
me juntasse a Afonso Henriques.
O filho sorriu quase imperceptí velmente. Porém, o pai abanou a cabeça, cansado e
desiludido, e lamentou-se:
- Agora é tarde para isso, seria um traidor.
Ramiro olhou-o curioso e
perguntou:
- É verdade que Afonso VII não virá defender
Dona Teresa?
Paio Soares confirmou que o
rei de Leão, Castela e Galiza abandonara a tia embora ela lhe tivesse prestado
vassalagem em Ricobayo.
Ele e o príncipe tinham-se
entendido em
Compostela. Ramiro recordou a cilada que o Trava e Dona
Teresa haviam armado em Guimarães e, baixando a voz, acrescentou:
- Querem o príncipe morto e ter um varão
deles.
Paio Soares partilhava
dúvidas idênticas. Mas nesse momento um criado veio chamá-lo, dizendo que Fernão
Peres queria falar-lhe.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home