(Domingos Amaral)
Episódio Nº 212
Guimarães 24 de Junho de 1128
Os dois lados da contenda já se haviam entendido sobre o dia e o local da contenda. Afonso Henriques já fora visitado pelo novo mestre da Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo, Jean Raymond, também borgonhês como seu pai, que o havia informado do discreto apoio que a Ordem lhe daria, a mando de Bernard de Claraval.
Apesar de ser uma
deslealdade formal, pois fora Dona Teresa, tempos antes, doara Soure ao mestre
Gondomar e à sua Ordem, Jean explicara que razões do foro do Altíssimo
justificavam tal decisão, adiantando que o abade de Claraval escolhera o
príncipe para liderar o combate aos serracenos.
Agradado, este aceitou a
sugestão de que a batalha se travasse no dia de São João Batista, santo
padroeiro da Ordem, precursor do Messias e aquele que anunciara um novo reino,
como se anunciava também Portugal.
Nesse ano, o dia em causa
era de solstício, o que confirmava a batalha de São Mamede como um ordálio,
onde o céu benzia os seus protegidos, os portucalenses.
Na manhã do combate, minha
prima Raimunda rumou até ao acampamento do adversário, para melhor o espiar.
Ela sempre nos foi muito útil, pois passava despercebida.
Através dela soubemos muita
coisa importante que ocorrera naquele dia.
O primeiro local a que se
dirigiu foi precisamente à tenda de Dona Teresa, onde ficou a saber que um
grupo inicial, liderado por Paio Soares que integrava os poucos nobres
portucalenses que o seguiam e cujo número total se aproximava dos mil homens,
formaria a vanguarda das tropas de Dona Teresa.
No centro iriam os irmãos
Fernão e Bermudo Peres de Trava, acompanhados pela maioria dos nobres galegos,
e mais de mil e oitocentos homens.
Na retaguarda ficaria o
relutante Peres Cativo com os duzentos soldados restantes que serviriam como
reforços para qualquer eventualidade.
Na verdade, esse motivo
mascarava outro, que era a desconfiança que se apoderara de Fernão Peres de
Trava quanto à lealdade de Peres Cativo. Mantendo-o longe impedia-o de sabotar
o confronto.
Depois de junto à tenda de
Dona Teresa, escutar a reunião de altos comandos, Raimunda rastejou
furtivamente até à de Paio Soares, à porta da qual conversavam Chamoa e as três
mouras.
Não percebo como haveis
deixado vosso marido vos filhasse! Exclamou Fátima – E se vos emprenha pela
terceira vez, e hoje morre?
Chamoa angustiou-se e tapou
a cara com as mãos enquanto Zaida a abraçava e Zulmira repreendia a filha mais
velha.
- Fátima, não queremos maus
agoiros, calai-vos!
Dirigindo-se a Chamoa,
Zulmira tentou tranqui lizá-la:
- Descansai, menina, Paio Soares não vai
morrer.
Disse-o com tal convicção
que a rapariga destapou a cara e forçou um sorriso, mas logo Fátima contrapôs:
- O Afonso Henriques se puder corta-o às
postas!
Chamoa indignou-se,
recordando-se das promessas que obrigara ambos os homens a fazerem e Zulmira
repetiu a sua benigna profecia.
Não vos assusteis, tudo
correrá bem.
Enervada Fátima levantou-se
e afastou-se delas, barafustando:
- Só dizeis aqui lo
que ela quer ouvir, e sei bem porquê! A mim nunca me vereis deitada na cama com
uma cristã!
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