sábado, março 12, 2016

Todos querem ver e saudar a conterrânea
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)

EPISÓDIO Nº 100























DO FIM DA TARDE NO AREÓPAGO



Tieta, depois de se despedir dos parentes e ter contratado os serviços de mestre-de-obras Liberato, recomendado como excelente por Modesto Pires, consegue chegar sozinha à porta da Agência dos Correios para a conversa reservada, conforme prometera na véspera a dona Carmosina.

Finalmente as duas amigas irão passar em revista os últimos acontecimentos; as duas interessadas em ouvir e contar, ruminando ideias e planos, escondendo, uma e outra, segundas intenções.

Ao ver Tieta subir o degrau da porta, dona Carmosina larga o jornal e exclama:

- Enfim, sós! – ri, estendendo os braços para acolher visita ilustre, figura importante. – Salve, minha líder!

Por demais ilustre e importante. Não demoram sem companhia nem por cinco minutos. Ainda ajeitam cadeiras, trocam palavras de afecto, Tieta perguntando como vai passando mãe Milú – costuma dizer que dona Milú é sua segunda mãe – quando surgem os primeiros conhecidos e na porta do areópago juntam-se curiosos.

Todos querem ver e saudar a conterrânea donatária da capitania de São Paulo, manda-chuva no país. Ficam parados, sorrindo para ela.

Pedintes que não a encontraram em casa, de faro aguçado pela necessidade, descobrem-na na Agência, cada qual recita história mais triste.

Triste e verídica. Com dois deles, Tieta marca encontro para a manhã seguinte, em casa. Dona Carmosina abana a cabeça, assim não dá. Ao mesmo tempo deixam-na alegre a gentileza e paciência de Tieta a ouvir e a ajudar os pobres, a dialogar com os ociosos que apenas desejam falar com ela, felicitá-la pela luz. Rindo, Antonieta desabafa:

- Essa história da luz já me está enchendo…

- Não fale assim, minha negra. O povo manifesta sua gratidão, é uma gente boa, ainda não está corrompida pela civilização.

Do passeio a voz do Comandante Dário vem liquidar as últimas esperanças de dona Carmosina. Ainda não será desta vez que conversarão a batons rompus – de quando em quando Tieta utiliza uma expressão francesa; no sul, conquistou, certamente sob influxo do marido, nível de cultura desabitual nos cafundós destes sertões, fez-se realmente uma senhora, não apenas pela elegância e riqueza, também pelo intelecto; dona Carmosina sente-se orgulhosa pela da amiga e assim devem sentir-se todos os cidadão de Agreste.

Tomando de uma cadeira e nela escachando as pernas, o Comandante demonstra sua decisão de ali se demorar batendo papo.

Deseja saber quando Tieta deseja voltar a Mangue Seco. Ele e dona Laura regressarão no dia seguinte, logo depois do almoço, não quer aproveitar a canoa? Aproveitará, sim. 

Concluída a compra da casa, assinada a escritura, efectuado o apagamento, nada de especial a prende a Agreste. O velho se encarregará de dirigir a limpeza e a pintura da vivenda, alguns concertos indispensáveis, antes de tudo a construção do banheiro e latrina decentes. Os que existem estão inservíveis. Há muito dona Zulmira toma banho em bacia, faz cocó em penico.

O Comandante
escuta a relação das obras, dos tais pequenos consertos, prevê:

- Um mês de trabalho, daí para mais… Liberato é descansado.

Não com pai de fiscal em cima dele… - garante Antonieta. – O Velho está doido para mudar-se, seu Liberato vai andar de rédea curta.

- Fez empreitada ou vai pagar pelos dias de trabalho?

- Comandante, por amor de Deus, não esqueça que eu nasci aqui. Empreitada é claro.

- Nesse caso, um mês. E Liberato o que tem de descansado tem de competente. Nesse particular, pode ficar tranquila.

- Veja como são as coisas Comandante. Considero que fiz uma boa compra, adquirindo a casa de dona Zulmira…

- Cara para os preços daqui

- Ainda assim. Custou um bocado de dinheiro, é uma casa óptima, vai entrar em obras, mas eu só penso na cabana de Mangue Seco. Minha cabeça está lá. Essa sim, me apaixona. Não quero viajar sem que ela esteja de pé.

O povo de Mangue Seco ainda é mais descansado do que o daqui. Praia, sabe como é. Com aquele ventinho não dá para se trabalhar muito…

- Por isso quero voltar logo para dar um empurrão. Cardo não é o Velho, não é de dar bronca em ninguém… O pobre deve estar pensando que a tia o abandonou e foi embora para São Paulo. Menino de ouro, esse meu sobrinho, Comandante.

Os olhos brilham quando ela fala do sobrinho. Dona Carmosina e o marujo concordam com o elogio. Deus fora extremamente generoso com Perpétua: não apenas a retirara do barricão, milagre considerável, dera-lhe bom marido e bons filhos.

Exercendo a arte subtil de falar da vida alheia, dona Carmosina e o Comandante regalaram-se durante alguns minutos considerando a bondade de Deus na premiação das virtudes eclesiásticas de Perpétua.

Eclesiásticas? O adjectivo para as virtudes de Perpétua devia-se a Barbozinha e dona Carmosina o encontra poético e perfeito. Assim, em prosa e riso corre o tempo. Não adiante Tieta dizer que viera por uma noite e já se encontra há três dias – e ainda, imagine! Não tivera tempo para conversar uns assuntos urgentes com Carmô. Para fazê-lo se encontra ali, na Agência, mas amanhã retornará sem falta a Mangue Seco.

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