sábado, março 12, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

Episódio Nº 211




















Naquele momento, também excitado pela expectativa da batalha, aprovei as palavras do meu melhor amigo, que desejava já a confrontação.

Hoje, muitos anos passados, acredito que ele cometeu um erro grave. Se não tivesse falado de Chamoa, se não tivesse sido tão brusco e acintoso com Paio Soares, talvez ele acabasse por ceder traindo Dona Teresa e Fernão Peres. Se tivesse passado para o nosso lado, Paio Soares certamente revelaria o segredo da relíquia.

Ter-se-iam poupado muitos trabalhos e a minha investigação posterior seria desnecessária.

Porém, para Afonso Henriques, naquele momento, a relíquia era o último dos seus pensamentos. O fundamental era vencer a mãe, o Trava e, sobretudo, no seu íntimo, recuperar Chamoa.

Se ele tem agido de forma diferente, ninguém sabe como teria nascido Portugal, pois poderia não ter existido a batalha de São Mamede.

Mas isso agora pouco importa, a verdade é que foi assim que aconteceu.

Com apenas dezanove anos, o meu melhor amigo era um homem de paixões e impetuoso e não aprendera a medir as próprias palavras.

Provocar Paio Soares deu-lhe gozo, bem como a muitos de nós. Mas foi evidente o ciúme louco que nasceu na mente do mordomo-mor, que voltou costas ao príncipe, dirigindo-se ao seu cavalo e dando por terminadas as conversações de paz.

Os dois emissários de Dona Teresa saíram a trote do castelo de Guimarães seguidos pelo peão, que continuava a transportar a bandeira da paz.

Contudo, mal chegaram ao acampamento e partilharam as novidades trazidas, a reacção de Dona Teresa foi veemente, alegando que nunca deixaria partir Fernão Peres, agora o pai das suas filhas e sempre o seu amante.

- Se for preciso lutar por ele, eu mesmo lutarei! E se for preciso matar o meu filho, eu mesmo o matarei! – gritou.

O Trava teve também um poderoso ataque de raiva quando Peres Cativo lhe sugeriu que regressasse a Galiza.

 - Sois um traidor! Se não precisasse de vós, matava-vos agora mesmo!

- A partir daquela data não mais aqueles dois meios irmãos se voltaram a falar, e Paio Soares regressou à sua tenda convencido de que Peres Cativo se iria embora à noite, antes do combate.

No entanto, não ouviu qualquer movimentação de tropas, e a única agitação que sentiu foi quando alguém o veio chamar dizendo que Chamoa chegara.

Correu para fora da tenda, e deu de caras com a mulher e as três mouras.

- Meu marido é verdade o que dizem, que vai haver guerra? – perguntou a rapariga, angustiada.

Chamoa fora mãe pela segunda vez, mas já parecia recuperada. Embora a preocupação se notasse no seu olhar vibrante, a Paio Soares ela pareceu ainda mais bonita do que da última vez a vira.

Jurou que a amava e nessa noite possuiu-a com uma intensidade e um vigor que até o próprio surpreenderam.

Quando terminaram, permaneceram acordados, deitados naquele improvisado colchão, ouvindo a respiração das três mouras que dormiam ao fundo da tenda.

- Meu marido, quero fazer-vos um pedido – disse Chamoa.

Paio Soares incentivou-a com o olhar, fascinado com a sua beleza, com a sua cara corada depois do amor, com as mil sardas que lhe cobriam a pele dos braços, da cara e do peito.

- Prometei-me que não matareis o príncipe durante a batalha. Afastando o medo que ela sentia, o marido beijou-a na boca e disse:

- Prometo-vos, minha amada.

Depois iniciaram uma longa conversa, entrecortada com jogos de amor que se prolongou noite fora.


É evidente que quem me contou este íntimo episódio da vida conjugal foi Zaida, que no canto da tenda de Paio Soares ouviu o casal a conversar e a amar-se.

Ao saber disso, confirmei a minha convicção de que a guerra deixa as pessoas muito dadas a estas coisas. Sei bem o que digo, pois na véspera da batalha de São Mamede também filhei minha esposa fortemente e meu pai fez o mesmo com Teresa de Celanova. O meu melhor amigo juntou-se à minha prima Raimunda, como era seu costume, e Gonçalo, também como era seu hábito, foi às soldadeiras.


Estávamos todos com medo de morrer e quando é assim, os seres humanos fazem aquilo que é mais primitivo, básico e essencial: foder.

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