quarta-feira, março 16, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)




Episódio Nº 214



















Elvira pareceu surpreendida pela intempestividade dela, e depois de um momento de hesitação pegou em Teresa ao colo e afastou-se levando Sanchinha pela mão.

Raimunda exultou porque gostava de ver sofrer a jumenta como ela chamava a Chamoa.

Animada, abandonou o acampamento a correr e ultrapassou as tropas de Dona Teresa que já seguiam a caminho do local da batalha e, veloz, seguiu em contra-mato várias léguas, até que viu os estandartes portucalenses, perto do grande campo de Ataca, para onde estava marcada a confrontação.

Minha prima veio aos saltos ter comigo, transmitindo-me o que soubera no acampamento inimigo. Agradeci-lhe e passei palavra, enquanto a via de novo a correr até um grande carvalho, a que subiu para melhor ver o terreno.

À sua frente, as nossas tropas estavam dispostas da forma prevista. Para a direita estava um primeiro grupo liderado por Gonçalo Mendes da Maia, o Lidador, e onde via também Gonçalo de Sousa com cerca de quinhentos homens, entre cavaleiros, peões e besteiros.

Ao centro encontrava-se o príncipe com cerca de mil homens, e um pouco para a sua esquerda estava eu, com os restantes quinhentos.

Mais atrás, a algumas léguas e no alto de uma elevação, Raimunda reconheceu seu pai, Ermígio, seu tio Egas e o pai de Gonçalo Soeiro de Sousa.

De repente, ouviu barulho nas suas costas e viu Paio Soares chegar a trote. Seria ele a confrontar-se com o primeiro grupo de portucalenses, o dos dois Gonçalos, enquanto o contingente comandado por Fernão Peres se estendia pelo campo, preparando-se para enfrentar o príncipe, e um grupo mais pequeno, comandado por Bermudo de Trava, se dirigia ao meu encontro.

As primeiras salvas de flechas dos arqueiros de Paio Soares atingiram os peões portucalenses que se protegeram atrás dos seus escudos. Nas costas deles nasceram uma réplica de setas, que fez tombar uns poucos soldados do mordomo-mor, mas não susteve o seu avanço geral.

O combate começara e durante algum tempo o contingente de Afonso Henriques resistiu às investidas dos cavaleiros do Trava, matando mesmo alguns na luta corpo a corpo.

A primeira vaga de atacantes recuara, para irritação do Trava, e o mesmo se passava no lado esquerdo da batalha, onde as tropas de Bermudo sofriam dano graves que eu lhes infligia.

Contudo, à direita, embora no princípio o Lidador tivesse rechaçado os homens de Paio Soares, havia já muitas baixas nos portucalenses, pois os arqueiros do mordomo eram certeiros.

Uma segunda vaga de ataque fora lançada, e nem Gonçalo de Sousa nem o Lidador conseguiram suster os cavaleiros adversários.

As forças portucalenses ficaram divididas ao meio, sendo que o grupo mais frágil era o que estava mais perto de Afonso Henriques e que Gonçalo de Sousa liderava.

Foi este o contingente que cedeu, e que esteve na origem do desastre inicial.

Com habilidade, Paio Soares e seiscentos dos seus homens desbarataram os de Gonçalo de Sousa, indo aparecer no flanco de Afonso Henriques.

Com uma hora de batalha, o príncipe ficava em perigo. Embora Bermudo estivesse em perda, e Fernão Peres não conseguisse pressionar frontalmente os portucalenses, o ataque lateral de Paio Soares desequilibrava a contenda.

De cabeça perdida, minha prima Raimunda, desceu do carvalho, atravessou o campo de Atava, ziguezagueando entre os soldados e peões, e apontou à elevação onde estava agora o príncipe, já cercado pelos homens de Paio Soares, tendo apenas quinze cavaleiros a protegê-lo.

Rodeou o pequeno monte, escondendo-se atrás das árvores, mas o seu coração não se acalmou.

Paio Soares estava cada vez mais próximo, e Raimunda teve de reconhecer que, apesar de não ser jovem, ele continuava o grande combatente que no passado ajudara o pai de Afonso Henriques.

O príncipe já sentia o medo a apoderar-se dos seus homens mas não parava de lutar e a sua espada zurzia à esquerda e à direita.

Mais tarde, Raimunda, reconheceu-me que nesse momento só pensava:

- «Onde estás, primo Lourenço? Onde está o Lidador? O príncipe encontra-se em perigo, vinde ajudá-lo!»

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