(Domingos Amaral)
Episódio Nº 214
Elvira pareceu surpreendida
pela intempestividade dela, e depois de um momento de hesitação pegou em Teresa
ao colo e afastou-se levando Sanchinha pela mão.
Raimunda exultou porque
gostava de ver sofrer a jumenta como ela chamava a Chamoa.
Animada, abandonou o
acampamento a correr e ultrapassou as tropas de Dona Teresa que já seguiam a
caminho do local da batalha e, veloz, seguiu em contra-mato várias léguas, até
que viu os estandartes portucalenses, perto do grande campo de Ataca, para onde
estava marcada a confrontação.
Minha prima veio aos saltos
ter comigo, transmitindo-me o que soubera no acampamento inimigo. Agradeci-lhe
e passei palavra, enquanto a via de novo a correr até um grande carvalho, a que
subiu para melhor ver o terreno.
À sua frente, as nossas
tropas estavam dispostas da forma prevista. Para a direita estava um primeiro
grupo liderado por Gonçalo Mendes da Maia, o Lidador, e onde via também Gonçalo
de Sousa com cerca de qui nhentos
homens, entre cavaleiros, peões e besteiros.
Ao centro encontrava-se o
príncipe com cerca de mil homens, e um pouco para a sua esquerda estava eu, com
os restantes qui nhentos.
Mais atrás, a algumas léguas
e no alto de uma elevação, Raimunda reconheceu seu pai, Ermígio, seu tio Egas e
o pai de Gonçalo Soeiro de Sousa.
De repente, ouviu barulho
nas suas costas e viu Paio Soares chegar a trote. Seria ele a confrontar-se com
o primeiro grupo de portucalenses, o dos dois Gonçalos, enquanto o contingente
comandado por Fernão Peres se estendia pelo campo, preparando-se para enfrentar
o príncipe, e um grupo mais pequeno, comandado por Bermudo de Trava, se dirigia
ao meu encontro.
As primeiras salvas de
flechas dos arqueiros de Paio Soares atingiram os peões portucalenses que se
protegeram atrás dos seus escudos. Nas costas deles nasceram uma réplica de
setas, que fez tombar uns poucos soldados do mordomo-mor, mas não susteve o seu
avanço geral.
O combate começara e durante
algum tempo o contingente de Afonso Henriques resistiu às investidas dos
cavaleiros do Trava, matando mesmo alguns na luta corpo a corpo.
A primeira vaga de atacantes
recuara, para irritação do Trava, e o mesmo se passava no lado esquerdo da
batalha, onde as tropas de Bermudo sofriam dano graves que eu lhes infligia.
Contudo, à direita, embora
no princípio o Lidador tivesse rechaçado os homens de Paio Soares, havia já
muitas baixas nos portucalenses, pois os arqueiros do mordomo eram certeiros.
Uma segunda vaga de ataque
fora lançada, e nem Gonçalo de Sousa nem o Lidador conseguiram suster os
cavaleiros adversários.
As forças portucalenses
ficaram divididas ao meio, sendo que o grupo mais frágil era o que estava mais
perto de Afonso Henriques e que Gonçalo de Sousa liderava.
Foi este o contingente que
cedeu, e que esteve na origem do desastre inicial.
Com habilidade, Paio Soares
e seiscentos dos seus homens desbarataram os de Gonçalo de Sousa, indo aparecer
no flanco de Afonso Henriques.
Com uma hora de batalha, o
príncipe ficava em perigo. Embora
Bermudo estivesse em perda, e Fernão Peres não conseguisse
pressionar frontalmente os portucalenses, o ataque lateral de Paio Soares desequi librava a contenda.
De cabeça perdida, minha
prima Raimunda, desceu do carvalho, atravessou o campo de Atava, ziguezagueando
entre os soldados e peões, e apontou à elevação onde estava agora o príncipe,
já cercado pelos homens de Paio Soares, tendo apenas qui nze
cavaleiros a protegê-lo.
Rodeou o pequeno monte,
escondendo-se atrás das árvores, mas o seu coração não se acalmou.
Paio Soares estava cada vez
mais próximo, e Raimunda teve de reconhecer que, apesar de não ser jovem, ele
continuava o grande combatente que no passado ajudara o pai de Afonso
Henriques.
O príncipe já sentia o medo
a apoderar-se dos seus homens mas não parava de lutar e a sua espada zurzia à
esquerda e à direita.
Mais tarde, Raimunda,
reconheceu-me que nesse momento só pensava:
- «Onde estás, primo
Lourenço? Onde está o Lidador? O príncipe encontra-se em perigo, vinde
ajudá-lo!»
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