segunda-feira, abril 11, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

Episódio Nº 237




















Coimbra, Julho de 1129



Compreendo que Ramiro tenha ficado transtornado com a fraude de que foi vítima. Nunca desconfiara daquele pastor, que sempre lhe parecera empenhado, modesto e leal.

Admito mesmo que entre eles existisse afecto e outras coisas, e talvez isso os tenha cegado. Foi o Rato que não gostava dele por razões óbvias, a duvidar do seu afastamento tão rápido da cerimónia.

Quando descera do palanque, depois de ser benzido pelo bispo, o pastor desaparecera do pátio. Incomodado, o Rato avisara Ramiro que estranhara tal comportamento.

Nesse entretanto, Gonçalo, notara igualmente que as mouras e Mem se tinham evaporado. Irritado, ouviu-o vociferar:

 - Não será um reles almocreve que me passa a perna!

O Rato, sempre desconfiado, suspeitou.

 - O pastor foi atrás delas...

Tanto Ramiro como Gonçalo pareciam confundidos, mas alguém raciocinou mais rápido do que eles. O meu melhor amigo, Afonso Henriques, acreditou que algo de grave se estava a passar e ordenou-nos que o seguíssemos.

Corremos pelo pátio, mas quando chegámos ao castelo, os guardas disseram-nos que não haviam visto ninguém.

Então Ramiro exclamou:

 - Devem estar no casão do almocreve!

O Rato, que corria muito depressa, foi o primeiro a chegar ao barracão. Abriu a porta e entrou, logo seguido pelo príncipe. Ao ver o pastor de espada erguida sobre Fátima retirou o cinto do punhal que um dia roubara a Paio Soares.

Porém, Afonso Henriques, roubou-lho da mão, pousou o joelho direito no chão e arremessou-o.

Quando entrei, vi Mem no chão a sangrar no nariz e ao lado dele um corpo sem cabeça. E vi o assassin, ainda de pé mas já com o punhal lançado pelo meu melhor amigo cravado na garganta.

Mortalmente ferido, tombou para a frente, estremecendo na palha até morrer.



Nas horas que se seguiram, um ambiente pesado e triste abateu-se sobre Coimbra. O príncipe mandou chamar curandeiros mas não havia nada a fazer por Zulmira que falecera imediatamente.

O fedayin tivera o mesmo destino. Mem foi tratado, Colocaram-lhe uma ligadura na testa e no olho direito, embora ninguém lhe conseguisse curar o sofrimento que o seu coração sofria.

O corpo de Zulmira, já com a cabeça junta e enrolado num véu foi levado para uma das criptas da Sé, Por ordens de Afonso Henriques, que obrigou os cristãos a velarem aquela mulher muçulmana, que muitos diziam ter sangue real.

Quando a noite caiu, Mem foi autorizado a juntar-se às filhas dela dentro da cripta, onde já estava o pároco André Salomão, que por ser moçárabe, conhecia melhor os ritos fúnebres muçulmanos, e que pouco depois apresentou ao príncipe o pedido especial que Fátima e Zaida lhe faziam: que as deixasse levar a mãe para Córdova, para o castelo de Hisn Abi Cherif, onde estavam também enterrados os dois maridos de Zulmira.

Gonçalo prontificou-se a acompanhá-las, o que provocou um ligeiro sorriso do príncipe que estava decidido a autorizar aquela expedição, quando algo de inesperado aconteceu.
                                                                                            

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