sábado, abril 09, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 236



















Entusiasmado, o almocreve despiu o saiote, o que provocou gritinhos de júbilo nas duas e começou a abraçá-las com fervor. Rindo, Zulmira retirou as roupas a Zaida e depois a filha fez-lhe o mesmo.

O sonhp do almocreve estava a realizar-se, iria amá-las, primeiro Z7ulmira e depois, finalmente, Zaida, sendo o primeiro homem do mundo a possui-la.

Estava já sentado na manta, observando-as e beijando-as à vez, quando de repente viu Fátima a aproximar-se, pálida tensa.

Com um choque de terror, Mem reparou que atrás dela estava um desconhecido.

- Quem sois? – gritou.

Zulmira e Zaida levantaram as cabeças ao mesmo tempo e desataram a berrar, enquanto Mem cerrava os punhos, furioso.

O seu arco e flechas estavam junto à entrada, não conseguiria chegar lá sem passar pelo intruso. Reparou que este tinha uma espada apontada às costas de Fátima, mas ficou surpreendido quando ele a baixou.

Reconheceu-o, era o pastor, o preferido de Ramiro! Mem teve uma fugaz sensação de alívio. Não lhes ia fazer mal, era um Templário de Soure. Contudo, o homem começou a ter um comportamento estranho. Retirara o manto branco dos ombros, voltava-o do avesso e agora estava a vesti-lo de novo.

Mem continuava sentado no chão e nu, com as duas mulheres atrás de si também espantadas. Fátima, por sua vez, mantinha-se a tremer.

O que quereis, insistiu o almocreve.

O pastor colocou o capuz na cabeça. Depois, retirou uma corda do braço e enrolou-a à cintura, e Mem reparou que ela estava vermelha e paralisou de pavor.

Em poucos momentos o templário transformara-se no assassin!

O pastor era a Morte com Duas Pernas e vinha finalmente cumprir as ordens do califa! Aterrado, Mem levantou-se de um pulo, mas logo o fedayin lhe apontou a espada:

 - Afastai-vos. Elas é que têm de morrer, são as ordens do Ali Yusuf.

Sem aviso, a corajosa Fátima lançou-se sobre fedayin, tentando surpreendê-lo, mas este era mais rápido e com um encontrão atirou-a ao chão.

Mem sabia que se queria salvá-las tinha de arriscar a vida, pois precisava de passar pelo assassin para chegar ao arco e às flechas.

Deu um pulo para a sua direita e atirou um balde ao fedayin mas este afastou-o com a espada, e com a mão esquerda deu dois violentos murros em Mem, o primeiro na barriga, que o fez dobrar-se de dor e o segundo nos olhos e no nariz que logo espirrou sangue, fazendo o almocreve cair atordoado.

O assassin apontou-lhe a espada num instante e, nesse curto espaço de tempo em que parecia ir atacá-lo, Zulmira correu para o almocreve, aterrada por o ver magoado, e ajoelhou-se junto dele.

Mem querido... – balbuciou.

Foi um erro fatal. Vendo-a a seus pés, à sua mercê, o fedayin levantou a espada e com um gesto duro, brusco e preciso degolou ali mesmo Zulmira, cuja cabeça caiu e rolou 0pela palha.

Ouviu-se o lancinante grito de Fátima, enquanto Zaida desmaiava em cima da manta.

Mem, ainda atordoado, sentiu o coração rasgar-se de dor. O monstro que lhe matara o pai matara-lhe também Zulmira!

Apesar da névoa que lhe toldava a visão. Reparou que Fátima pegara numa enxada e a levantava no ar, tentando atingir o fedayin. Mem arrastou-se, queria chegar às flechas às flechas mas não conseguiu, o estômago soltou-se e desatou a vomitar.

Quando voltou a olhar, a enxada já voara das mãos de Fátima e ela estava no chão, à frente do assassin, que levantava a espada para a degolar também.

Mem procurou uma pedra, uma madeira, algo que lhe pudesse atirar mas não havia nada, e gritou, desesperado.

Pela terceira vez ia ver uma pessoa que amava ser degolada pela Morte com Duas Pernas!

Então, ouviu um barulho, seguido de um zumbido, sentiu uma deslocação de ar e notou que a espada não caiu sobre o pescoço de Fátima.

De súbito, o fedayin agarrou-se à garganta, gorgolejando e Mem viu qualquer coisa cravada no pescoço dele, sangue a espirrar e dirigiu o seu olhar enevoado para a entrada do celeiro.

Horas depois, Mem contou-me que vira o Rato, mas também outro homem, com o joelho direito pousado no chão e a mão fechada no ar depois de lançar o punhal.

Era o príncipe de Portugal e meu melhor amigo, Afonso Henriques. Nesse momento, Mem ouvira uma voz longínqua na sua cabeça, as palavras da bruxa, em Soure, quando a reencontrara.

«Só pode ser morto pelo Califa ou por outro Rei».


                                                                                              

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