Madame Antoinete, perdão, Tieta. |
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)
EPISÓDIO Nº 121
ONDE O AUTOR PROCURA E NÃO ENCONTRA TERMO JUSTO PARA
DESIGNAR O REFÚGIO DOS LORDES
Não, não deverei
usar nenhuma das palavras clássicas: prostíbulo, lupanar, bordel, serralho,
alcoice, conventilho, pensão de mulheres, casa de putas, nem mesmo randevu,
para classificar o Refúgio dos Lordes, na capital do glorioso Estado de São
Paulo, abrigo luxuoso, discreto, fechadíssima
Maison de repôs, talvez, não
fosse o termo servir também sanatório destinado a malucos endinheirados e
enrustidos.
Enrustidos, os seleccionados fregueses do Refúgio, mas dificilmente
fracos da cabeça, quase sempre cérebros privilegiados, de elevadíssimo QI,
sagazes financeiros quando não prudentes e esclarecidos pais-da-pátria.
Funcionasse na Bahia, seria castelo, a designação soa bem, recorda nobreza e
fausto. Em São Paulo ,
o Refúgio dos Lordes participa da medicina e da bolsa de valores, não se
reduzindo a satisfazer necessidades dos ricos e poderosos – dos mais ricos e
dos mais poderosos – pois atende e trata com terapêutica própria melindrosos
complexos, atende a graciosas taras, indo da massagem sueca ou nipónica ao divã
de irresistíveis psicanalistas com escola completa, faculdades nacionais e por
vezes estrangeiras, ditas BBC: boca, boceta e cu.
Serve também, quando
necessário, como local de encontro o mais conveniente pela discrição, para o
trato e conclusão de assuntos reservados, referentes à economia, às finanças e
à política. Ali discutem-se superiores interesses, fundam-se bancos, erguem-se
indústrias, escolhem-se candidatos a governador.
Ao abandonar a simplicidade de Agreste, onde a casa de Zuleika
Cinderela é apenas puteiro e nada mais, para envolver-me com os grandes do sul,
com a intelectualidade dos tecnocratas, empresários, homens de Estado, altas
patentes, os dirigentes dos destinos pátrios, sinto-me acanhado, faltam-me
conhecimento e inspiração à altura do nobre tema.
Como designar o pequeno
império dirigido em francês com competência, dedicação e toute la delicatesse
por Madame Antoinette?
Perdoem-me senão encontro a palavra justa, sinto-me embaraçado, tento
cometer imperdoável erro, rude narrador habituado a chão árido e a vidas
modestas, de dinheiro parco e duro trabalho.
Aliás, para que classificar este
aprazível local de relax, onde os grandes do mundo distendem os nervos e
recuperam as forças? Nesse bendito recanto, segundo consta, figurões já de todo
impotentes se reerguem pururucas e obtêm satisfação nas mãos sábias e belas das
meninas, quando não nos lábios de carmim.
Ah!, quanto custa ser pobre e
inédito. Digo inédito porque sei que as portas do Refúgio dos Lordes
excepcionalmente se abrem para aqueles escribas de fama e glória, uns poucos
privilegiados.
Um dia lá chegarei, quem sabe, se a sorte ajudar. Poderei então encontrar a designação exacta. Por ora, não.
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