sexta-feira, abril 08, 2016

Madame Antoinete, perdão, Tieta.
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)



EPISÓDIO Nº 121


























ONDE O AUTOR PROCURA E NÃO ENCONTRA TERMO JUSTO PARA DESIGNAR O REFÚGIO DOS LORDES



Não, não deverei usar nenhuma das palavras clássicas: prostíbulo, lupanar, bordel, serralho, alcoice, conventilho, pensão de mulheres, casa de putas, nem mesmo randevu, para classificar o Refúgio dos Lordes, na capital do glorioso Estado de São Paulo, abrigo luxuoso, discreto, fechadíssima

Maison de repôs, talvez, não fosse o termo servir também sanatório destinado a malucos endinheirados e enrustidos. 

Enrustidos, os seleccionados fregueses do Refúgio, mas dificilmente fracos da cabeça, quase sempre cérebros privilegiados, de elevadíssimo QI, sagazes financeiros quando não prudentes e esclarecidos pais-da-pátria.

Funcionasse na Bahia, seria castelo, a designação soa bem, recorda nobreza e fausto. Em São Paulo, o Refúgio dos Lordes participa da medicina e da bolsa de valores, não se reduzindo a satisfazer necessidades dos ricos e poderosos – dos mais ricos e dos mais poderosos – pois atende e trata com terapêutica própria melindrosos complexos, atende a graciosas taras, indo da massagem sueca ou nipónica ao divã de irresistíveis psicanalistas com escola completa, faculdades nacionais e por vezes estrangeiras, ditas BBC: boca, boceta e cu.

Serve também, quando necessário, como local de encontro o mais conveniente pela discrição, para o trato e conclusão de assuntos reservados, referentes à economia, às finanças e à política. Ali discutem-se superiores interesses, fundam-se bancos, erguem-se indústrias, escolhem-se candidatos a governador.

Ao abandonar a simplicidade de Agreste, onde a casa de Zuleika Cinderela é apenas puteiro e nada mais, para envolver-me com os grandes do sul, com a intelectualidade dos tecnocratas, empresários, homens de Estado, altas patentes, os dirigentes dos destinos pátrios, sinto-me acanhado, faltam-me conhecimento e inspiração à altura do nobre tema.

Como designar o pequeno império dirigido em francês com competência, dedicação e toute la delicatesse por Madame Antoinette?

Perdoem-me senão encontro a palavra justa, sinto-me embaraçado, tento cometer imperdoável erro, rude narrador habituado a chão árido e a vidas modestas, de dinheiro parco e duro trabalho.

Aliás, para que classificar este aprazível local de relax, onde os grandes do mundo distendem os nervos e recuperam as forças? Nesse bendito recanto, segundo consta, figurões já de todo impotentes se reerguem pururucas e obtêm satisfação nas mãos sábias e belas das meninas, quando não nos lábios de carmim.

Ah!, quanto custa ser pobre e inédito. Digo inédito porque sei que as portas do Refúgio dos Lordes excepcionalmente se abrem para aqueles escribas de fama e glória, uns poucos privilegiados.

Um dia lá chegarei, quem sabe, se a sorte ajudar. Poderei então encontrar a designação exacta. Por ora, não. 

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