quinta-feira, abril 07, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 234




















Depois de passar os olhos sobre os monges cavaleiros em formatura à sua frente, Ramiro empertigou-se e leu:

- « São necessárias três coisas principais na batalha: que um cavaleiro esteja alerta para se defender, seja rápido na sela e esteja pronto para o ataque.

Mas, pelo contrário, penteai-vos como mulheres, o que dificulta a vossa visão; embaraçais os pés em camisas longa e largas e escondei as vossas mãos delicadas dentro de mangas largas e de amplas aberturas.

E, assim ataviados, batei-vos pelas coisas mais vãs, tal como a cólera irracional, a sede de glória ou a cobiça dos bens temporais. Matar ou morrer por tais objectos não põe a alma em segurança!»

Notei que Gonçalo, todo aperaltado, ficara incomodado com aquelas palavras críticas. Tentara pentear a franja e puxara as mangas da dalmática para cima, libertando os punhos e os braços, quando ouvira Ramiro falar em mangas largas.

Já os monges guerreiros, a quem se destinavam aquelas regras, recebiam-nas com solenidade. O Rato, compenetrado e de cabeça baixa; o Peida Gorda a rezar baixinho; o Velho e o pastor, tensos e hirtos, com um brilho nos olhos.

No púlpito, Ramiro continuou:

- «O Cavaleiro de Cristo mata em consciência e morre tranquilo: ao morrer obtém a sua salvação; ao matar, trabalha para Cristo. Sofrer ou dar a morte por Cristo não tem, por um lado, nada de criminoso e, por outro merece uma imensidade de glória.

Sem dúvida que não seria necessário matar os pagãos, tal como os outros homens, se tivéssemos outros meios de deter as suas invasões e de impedir de oprimir os fiéis. Mas, nas circunstâncias presentes, é melhor massacrá-los do que deixar a vara dos pecadores suspensa sobre a cabeça dos justos expostos a cometerem também a iniquidade.

Se nunca fosse permitido a um cristão bater com a espada o precursor de Cristo teria apenas recomendado aos soldados que se contentassem com o seu soldo?

Não lhes teria antes proibido o ofício das armas?

Mas não é assim, pelo contrário»

Reparei que Zulmira e Zaida estavam alarmadas, decerto temendo que aquelas empolgadas argumentações fossem descambar numa guerra aos muçulmanos a sul da cidade.

Depois, olhei para Mem e recordei as histórias sobre a bruxa das cavernas e a relíquia que os Templários procuravam desde a chegada de Gondomar a Soure.

Que seria feito da bruxa? – O almocreve contara-nos que passara duas vezes pelas cavernas, mas não havia sinal dela. Teria morrido? E o que era a relíquia? Ninguém me fora capaz de esclarecer.

A voz de Ramiro soou no pátio da Sé:

- «Agora, para dar aos nossos cavaleiros, que militam não para Deus mas para o diabo, um modelo a imitar, ou antes, para os inspirar a fazer sair da confusão, contarei em breves palavras o tipo devida dos cavaleiros de Cristo, o seu modo de se comportarem tanto na guerra como em suas casas.

Quero que se veja claramente a diferença que existe entre os soldados seculares e os de Deus!

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