(Domingos Amaral)
Episódio Nº 235
Antes de mais, a disciplina não falta
entre estes. Não têm desprezo pela obediência. Sob a ordem do chefe, vão, vêm;
veste-se o hábito que ele dá e não se espera e não se espera de outrem nem a
roupa, nem a alimentação.
Tanto na vida como nas vestimentas
evita-se o supérfluo; reserva-se a atenção para o necessário. É a vida em comum
levada na alegria e na mesura sem mulher nem filhos. E para que a perfeição
angélica seja realizada todos habitam na mesma casa sem nada possuírem em
particular.
Entre eles, não há referências de pessoas,
julga-se segundo o mérito e não de acordo com a nobreza. Nunca uma palavra
insolente, uma tarefa inútil, uma gargalhada excessiva, um murmúrio, por mais
fraco que seja, ficam impunes.
Detestam o xadrez, os jogos de azar, têm
horror à caça com galgos e a cavalo e nem sequer se divertem com a caça de
altanaria com quem tantos se deleitam.
Os mimos, os que lêem a sina, os jograis,
as canções jocosas, as peças de teatro são, a seus olhos, tão cheias de vaidade
e de loucura que se afastam delas e as abominam.
Têm os cabelos curtos porque sabem que,
segundo as palavras do apóstolo é vergonhoso para um homem cuidar da cabeleira.
Nunca se penteiam e raramente tomam banho!
É assim que são vistos, descuidados,
hirsutos, negros de poeira, com a pele queimada pelo sol e tão bronzeada como a
sua armadura!»
As reacções àquelas palavras foram
divertidas. Afonso Henriques, por exemplo, torceu o nariz quando Ramiro disse
que os Templários tinham horror à caça. O meu melhor amigo não podia aprovar
tal restrição! Já Fátima fez uma careta repugnada quando ouviu dizer que os
Templários raramente tomam banho.
Os costumes muçulmanos incentivavam os
banhos diários e higiénicos, e ela não entendia aquela apologia da sujidade que
era, aliás, contraditória com a apresentação do momento, pois as cotas de malha
dos monges guerreiros resplandeciam ao sol e os seus mantos brancos apresentavam-se
diáfanos e puros.
De qualquer forma, isso não foi o mais
importante. Mal Ramiro terminou, gerou-se uma certa confusão. Os monges teriam
de ser benzidos pelo bispo, um a um, e distraímo-nos quando o processo começou.
O
pastor foi o primeiro a avançar, e os olhos estavam postos nele. Todos
esquecemos Mem e as três mouras que, aproveitando a agitação gerada pela bênção
dos Templários, desapareceram.
Os quatro correram pela rua aliviados, e o
almocreve sugeriu que fossem para o seu celeiro onde ninguém os iria procurar.
Zaida deu um gritinho feliz e desceram
para a Almedina. Quando entraram a correr no barracão de Mem, este fechou a
porta. No entanto, e como sempre, Fátima, não qui s
brincadeiras e o almocreve sugeriu-lhe
que se sentasse à entrada a apreciar uns tecidos que trouxera de Lisboa.
Já em cima da palha, ao fundo do celeiro
Mem estendeu uma grande manta e logo Zaida e sua mãe se deitaram nela.
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