sábado, abril 23, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 248





















- Zulmira não a reconheceu, quando a viu na caverna? – perguntou.

Mem recordava-se, a bruxa tapara a cara com o capuz, nunca mostrara o rosto enquanto tivera na presença de Zulmira. Era ela de certeza! Por fim, perguntou como se chamava.

 - Sohba...

Quando Mem regressou a Coimbra e nos relatou esta descoberta todos ficamos espantados. A chave para encontrar a relíquia do conde Henrique era a bruxa das cavernas, que era também filha de Hixam III, último califa de Córdova, e tia de Fátima e Zaida!

Sohba, a velha mulher de negro, tinha nas suas mãos um espantoso poder. Podia alterar o mundo político e militar da península, se, com a ajuda de Abu Zakaria, recolocasse as sobrinhas no trono de Córdova e podia também impedir que Afonso Henriques, príncipe de Portugal, se apoderasse de uma relíquia sagrada que iluminaria a luta dos cristãos contra os sarracenos.

Para perplexidade de todos nós, o incerto futuro de Portugal, que nesses anos começara a nascer, estava nas mãos de uma velha e louca bruxa muçulmana!

Era preciso encontrá-la.






                            1130




Vairão, Outubro de 1130





Nos primeiros meses da sua reclusão no Mosteiro de Vairão, Chamoa alimentara a solidão com a raiva que sentia a Afonso Henriques, por este ter falhado a promessa que lhe fizera.

Ser monja fora a única forma de o punir por aquela desconsideração tão violenta, e a rapariga toldada pela afronta e pelo desejo de vingança, separando-se dos três pequenos filhos e dos pais.

Alimentada por uma espécie de ira primitiva, Chamoa desapaixonara-se à força e castigara dessa forma o príncipe, impedindo-o de possui-la, o que sabia causar-lhe dor, para além de lhe ferir o orgulho.

Só que essa drástica reclusão não o magoava só a ele, mas também a ela, que na sua cegueira esquecera que a existência de uma pessoa não se esgota no desejo de atingir outra, por mais totalitário que ele possa ser.

À medida que o tempo corria, as suas dúvidas nasceram. Atordoada ainda pela dor da desfeita, fechara-se no pequeno quarto do mosteiro o inverno todo, dedicando-se a múltiplas rezas e a excessivas penitencias, mas em finais de Março, com os primeiros sinais da primavera, começou a dar-se conta de que a clausura extrema a que se sujeitara lhe negava os prazeres de uma viagem pelas povoações, de uma ida às feiras, de um jantar de família, de uma conversa divertida com as amigas ou das lisonjas dos homens.

Além disso, sofria fortes saudades dos filhos, três meninos que recusara ver crescer, e cujas ausentes meiguices se transformaram em duras carências.

Como fora capaz de tal loucura, de tal arrebatamento tão vertiginoso e castrador?

Minha mulher, que no Natal a encontrara sorumbática e calada, quando a visitou na Páscoa ficou convencida de que a irmã não iria resistir muito mais tempo em Vairão.


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