sábado, abril 23, 2016

Tieta do Agreste

(Jorge Amado)


EPISÓDIO Nº 130






















Colaboração, toda a que se fizer necessário. Silêncio, mais difícil. O povo da terra é perguntador, o que não sabe inventa. Se Ascânio nada disser sobre a entrevista, o fuxico vai crescer, será pior. Não pode fazer referência a um projecto de turismo? As cogitações são nesse sentido; ele próprio, Ascânio, assim imaginara.

A ideia pareceu extremamente divertida ao Magnífico Doutor, não conteve o riso. Os olhos postos nas pacatas ruas de Agreste, através das janelas do primeiro andar da prefeitura, concordou, jovial:

- Turismo… Boa bola. Bem acahado, Senhor Prefeito. C’est drôle.

Ascânio não perguntou o motivo do riso, do ar zombeteiro do ilustre visitante, do mote em francês. Ajudou-o a enrolar plantas e projectos, a colocá-los num tubo longo, de metal, a reunir papéis, a fechar a elegante pasta negra, de executivo.

Na porta de saída, Doutor Mirko Stefano confiou pasta e tubo ao peso pesado postado de sentinela; notava-se-lhe o volume do revólver no cinto. Um segundo campeão, de idêntico peso, medida e carantonha, chegou correndo do bar, onde degostava uma bramota em companhia de chofer, o paletó aberto, a arma exposta.

O doutor viera desta vez acompanhado apenas de chofer e do par de alagoanos. Para desolação de Osnar e Fidélio, presentes ao desembarque, nem uma só marciana ou garota de Ipanema descera da Rural, apenas o Grande Chefe Espacial, o motorista e os dois pistoleiros.

Não deixara de ser, no entretanto, matéria para assombro e comentário pois há anos não se via em exibição nas ruas de Agreste outras armas além de facões dos roceiros na feira de sábado, e das maldições e pragas do profeta Possidônio, sendo os primeiros simples instrumentos de trabalho e servindo as últimas apenas contra os demónios e a impiedade.

Além de armados, de pouca conversa. O que veio a desalterar-se no bar não despregou os olhos da prefeitura onde deixara o colega. Osnar não se atrevera a pedir notícias de Bety, Bebé para os íntimos. Reagiu, indignado, à sugestão de Fidélio, gozador:

. Por que você não bate um papo com ele? Conte a história da polaca, conquiste-lhe as graças, descubra o que veio fazer. Mostre que é o ta.

- Vá à merda.

A mal-encarada dupla embarcou na Rural, no banco traseiro, guardando os documentos. O Magnífico Doutor apertou a mão de Ascânio, abriu-se num sorriso de velho amigo:

- Até breve, caro prefeito. Mera Cristas! Aliás, se me permite mandarei uns brindes para o Natal das crianças pobres.

Partiu a Rural, o pequeno grupo de basbaques ainda demorou-se a olhar para Ascânio, ele também ali parado meditando em tudo o que lhe fora dito e a Agreste prometido. Brindes de Natal para as crianças pobres, um festivo começo, Osnar se aproximou:

- Então, Capitão, a que veio o astronauta?

Avesso a embustes, considerado por todos um cidadão íntegro, de rígidos princípios, Ascânio viu-se de repente obrigado a mentir, a abandonar sua maneira de ser. Seja tudo pelo bem de Agreste! Embaraçado e sem jeito, respondeu:

- Que pode ser, senão turismo? – Adianta detalhe que não lhe parece matéria secreta: - Está interessado em comprar terras em Mangue Seco. O coqueiral…

- Terras do coqueiral? Puta merda, Capitão Ascânio. Vai dar uma confusão dos diabos. Até hoje não se tirou a limpo quem são os donos…

Atrapalhado, Ascânio avista Leonora na porta da casa de Perpétua, os olhos na prefeitura. Ficara de ir buscá-la, a ela e a Tieta, para o banho na Bacia de Catarina, está na hora. Despede-se às pressas.

Osnar estranha as maneiras do secretário da prefeitura: Ascânio está escondendo leite. Empresa de turismo, muito dinheiro, novidades às pencas. E se esses caras comprarem o coqueiral e a praia de Mangue Seco?

Se fundarem um clube exclusivo, reservado para os sócios? Não, não podem fazê-lo, é impossível, as praias são propriedade do povo, inalienáveis, não é? Talvez comprem terrenos, construam hotéis, lojas, armazéns modernos… Que sabe, Bebè virá passar uns tempos no coqueiral para estudar na prática o interesse turístico das dunas e dirigir a publicidade: aproveitem a nossa oferta e venham praticar o coito carnal nas alvas areias de Mangue Seco, pagando depois em módicas prestações mensais. Mesmo não sendo polaca, Bety parece-lhe capaz de audazes cometimentos.

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